A vegetação rasteira emerge dos dois lados da via, com árvores secas e mato amarelado vazando pela mureta de proteção. O horizonte é plano, cortado pela manta de concreto sem fim. Para aproveitar o vento fresco do dia, me inclino sobre a janela do carro. Meus cabelos serpenteiam enquanto o cheiro de pneu queimado invade as minhas narinas. Por aqueles minutos, é só eu e eu. Nada mais.
Paramos em um posto de gasolina. A fachada vermelha desgastada é o único resquício de civilização ao redor, duas bombas de gasolina provavelmente adulteradas e uma loja de conveniência aos fundos fecham o cenário macabro. Não há casas, prédios, nada a não ser o Sol forte. Um cachorro perto de uma das bombas de gasolina avança em Leggo, mas o gatinho sabe se virar muito bem. Ele volta para mim depois de espantar o cão.
— Você precisa de um banho — anúncio, pegando-o no colo.
Lisa se espreguiça ao lado do carro. O vento sacoleja seus cabelos curtos.
— Meus gatos não tomam banho — retruca.
Olho para Leggo, a pelagem clara com um aspecto cinza graças a poeira.
— Faz sentido.
Sigo para a loja de conveniência aos fundos, enquanto Leggo caminha ao meu lado.
— Não quer trocar de roupa? — ouço Lisa perguntar, atrás de mim.
Me viro para encará-la e, para dar mais dramaticidade à cena, deixo os óculos escuros que roubei dela escorrerem para a ponta do meu nariz.
— O quê?
Lisa aponta para a minha camisola.
— Você está de pijamas, Jennie.
Olho para baixo, a camisola branca é tão fina que o vento ameaça levá-la embora. Não combina em nada com o par de botas de pêlo e os óculos escuros, mas é essa a graça. Levanto a cabeça, ajeitando os óculos.
— Tô de boa — E volto a andar.
Lisa bufa altivamente.
— Você nem está usando calcinha!
A voz dela fica cada vez mais baixa à medida que a loja de conveniência se aproxima.
— Facilita as coisas! — grito em resposta. Os passos de Lisa se aproximam.
Minhas botas já estão sujas de poeira vermelha e, ao meu lado, Leggo parece um guarda costas felino. Lisa me alcança. Ela tapa o sol com as mãos.
— Facilita o quê, Jennie?
Não desvio do olhar dela, apesar do sol me queimar como um pão na torradeira.
— Vai saber mais tarde. — Dou passos curtos até a entrada da loja, com um sorriso no rosto.
Ela ergue uma sobrancelha, parece saudável agora, as bochechas estão coradas e os lábios molhados de saliva. Lisa abre a porta de vidro cheia de marcas de gordura e me deixa passar primeiro, no entanto, espero duas freiras aleatórias saírem da loja. Elas passam por nós, atentas à minha roupa.
— A paz do senhor. — Uma delas diz.
— A paz do senhor. — Lisa responde, educada.
— A paz do senhor — repito, rindo.
A loja de conveniência é tão pequena que as três fileiras de prateleiras estão quase coladas entre si. Não há espaço para os produtos, um fica em cima do outro como em uma grande liquidação de fim de estoque. No caixa, um velho de barba branca bate numa televisão de caixa enquanto acompanha uma música antiga, que sai pelas caixas de som. O barulho do ventilador faz tudo parecer um ruído desconexo.
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O segredo do seus olhos
FanficJennie Kim está fugindo do seu passado e encontra na faculdade de música uma forma de recomeçar. Entre o ódio que sente pelo mundo e uma amizade inesperada, ela acaba conhecendo Lalisa Manoban, uma mulher de olhos cativantes e misteriosos, e se apai...