3.14|livro três | e pluribus unum

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Lisa volta com uma corda embebida a sangue, como tudo naquele galpão, e não me pede ajuda para amarrar Chaeyoung. Eu a observo sem me mover, até sentir uma dor no ouvido. Levo a mão até a orelha e o líquido quente envolve meus dedos. Ainda não estou ouvindo muito bem, deve ter sido o tiro que quase acertou a minha cabeça.

Lisa termina de amarrar Chaeyoung e, então, a arrasta para o canto do galpão. O peito da detetive sobe e desce devagar.

Não sei o que dizer quando os olhos de Lisa cruzam os meus. Ela também não deve saber o que dizer, porque me olha intrigada, pensando em algo para falar que faça sentido. Eu poderia me sentir lisonjeada, mas me lembro das mortes e da descoberta confusa de que ela sempre esteve viva. Como Lisa, de alguma forma sobrenatural, levantou dos mortos? Ela quer vingança? Mas onde ela estava esse tempo todo? O que andou fazendo? Por que voltou agora e, acima de tudo, como sabia que eu estava aqui? Em um frigorífico abandonado em uma cidade também abandonada, longe de tudo... apesar que, quando a enterrei, tive a impressão de ver algo se movendo, mas achei que fosse uma alucinação provocada pela esperança de vê-la viva de novo. Provavelmente não foi uma alucinação, nunca pude confiar na minha própria mente.

Acordo do transe e pego o revólver caído ao meu lado, apertando-o com força. Minha respiração se torna descompassada, mas seguro a arma com mais força, repousando o dedo no gatilho. Não posso ser fraca dessa vez, mesmo com a sensação inquietante na boca do estômago, como se fogos de artifício estourassem dentro do meu corpo. Miro em direção a Lisa, que para acima de mim e ouve as palavras quebradas saírem dos meus lábios:

— Você morreu nos meus braços... — Sem conseguir segurar, deixo uma única lágrima rolar pelas bochechas. — Eu te enterrei, eu... — Engulo o seco, empurrando garganta abaixo o bolo de angústia que se alojou ali. — Eu te enterrei com as minhas próprias mãos.

Percorro com os olhos por todo o rosto de Lisa, notando os machucados antigos e os infligidos por Chaeyoung, mas, acima de tudo, as sutis mudanças do tempo. Seu rosto está mais magro, os olhos mais profundos, brilhantes no escuro, mas me recuso a olhá-los por mais tempo, sei do que são capazes, de como me perco todas as vezes que caio nos castanhos tempestuosos de suas íris. Os cabelos também castanhos estão longos, vão até o quadril e formam ondas nas pontas, mas a franja está rala e mostra a cicatriz no couro cabeludo, a mesma cicatriz que Bambam causou quando eram crianças. Lisa parece mais acessível assim, nada que remetesse a pessoa que era antes.

Me assusto quando ela se agacha na minha frente, puxando a barra do próprio topper, e aciono o gatilho.

— Ei, ei! — Ela ergue a própria arma, a que bateu na cabeça de Chaeyoung, e, cuidadosamente, mergulha no chão sangrento. Com as mãos livres, levanta o topper e me mostra a cicatriz entre os seios. O relevo embranquecido está exatamente no meio.

Desvio o olhar quando ela abaixa o topper, com vergonha por ter olhado.

— Nenhum médico conseguiu explicar porque eu estou viva... — ela sussurra, a voz profunda ecoando pelo lugar e chegando aos meus ouvidos com um timbre confortável. Como eu senti falta disso, quase perco o ar ao me dar conta. Lisa percebe o meu segundo de fraqueza e dá um passo em minha direção. — Eu fiquei em coma por dois anos.

Solto uma risada incrédula.

— Isso não explica porra nenhuma, Lisa... como você saiu daquela cova rasa? Como...

— Me disseram que alguém me deixou no hospital, eu estava suja de terra, mas a pessoa que me salvou fez um torniquete improvisado, eu cheguei a pensar... cheguei a pensar que pudesse ter sido você... Eu acordei dois anos depois, precisei fazer fisioterapia por mais um ano e...

O segredo do seus olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora