|livro um| septendecim

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As paredes se fecham a minha volta, tropeço algumas vezes, tentada a sair correndo daquele hospital, mas me obrigo a continuar colocando um pé na frente do outro. Paro na porta do quarto de Jisoo.

Ela não vai me perdoar pelo que eu fiz e nunca vai entender os motivos que me levaram a empurrá-la das escadas. Ela vai me perguntar se eu faria de novo e eu vou ter que dizer a verdade, sim, eu faria de novo. Encaro as minhas mãos, trêmulas e pálidas, e torço a maçaneta da porta, abrindo devagarzinho.

O quarto é como qualquer outro quarto de hospital, um branco encardido e um cheiro constante de éter e bandagem. O corpo de Jisoo parece menor e mais frágil. Ela respira graças a um tubo de oxigênio que foi enfiado dentro das suas narinas. Não consigo ver muita coisa do rosto dela, está inchado e tomado por ataduras, quase irreconhecível. Os olhos estão fechados e as pupilas inquietas, como se estivesse em um pesadelo.

Respiro fundo, expiro, inspiro e toco a mão dela, estendida na cama ao lado do corpo imóvel. Sinto a maciez da pele dela antes de Jisoo fechar os dedos. Talvez ela não esteja tão inconsciente assim. Me inclino sobre Jisoo, meu coração bate descompassado no peito.

— Eu vou resolver tudo, irmã — sussurro, apressada. — Vou lidar com Lalisa e então, vou voltar para te buscar.

Faço aquela promessa para ela e para mim mesmo, para a garota que está completamente bagunçada, suja de sangue seco e coragem, aquela que, assim que saí porta afora, vê uma Lalisa se aproximar e sente as pernas fraquejarem. Ela está conversando com o médico, extraindo todos os prognósticos possíveis.

— Preciso voltar para pegar os documentos de Jisoo, algumas roupas limpas e  contar aos nossos pais  — falo com tanta convicção que Lalisa levanta uma sobrancelha e o médico se interrompe para se apresentar. Doutor Moon. Ele é velho e tem um sorriso gentil, uma aliança no dedo e a gola do jaleco suja de batom. É imperceptível, parece uma mancha qualquer, mas imagino como ele toma viagra para transar com a esposa, trai ela com alguma enfermeira disposta e não liga para os filhos, mas ganha bem, bem o suficiente para achar que é um pequeno rei. Ele sorri, eu retribuo com uma careta.

— Não seria melhor esperarmos um pouco? — Lalisa sorri para mim. — Podemos ir juntas quando ela acordar!

— Não, não, eu quero ir agora, além do mais, alguém precisa ficar aqui com ela.

Olho para o médico traíra e espero que ele me ajude nessa. Lalisa preza pela aparência, ela nunca vai contrariar uma decisão dele. O homem maneia a cabeça para mim.

— O pós cirurgia é sempre delicado, nós não sabemos se o dano a arcada dentária é ou não irreversível, se ela vai precisar de uma cirurgia estética ou se precisaremos de mais bolsas de sangue. Seria prático uma de vocês ficar.

— Ótimo — respondo o médico, estou sorrindo para Lalisa. — Vai ser tão rápido que você não vai sentir a minha falta, querida. — Me aproximo. Toco a cintura dela, delicadamente, e puxo a chave do carro. — Volto já, cuide de Jisoo por mim.

Os lábios de Lalisa tremem e os olhos cintilam em um tipo de ódio diferente. É tão rápido que eu duvido que o médico tenha percebido qualquer tensão, pois logo depois ela sorri.

— Tudo bem, te espero aqui, amor.





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Dessa vez não há ressalvas, não há temor ou ansiedade. Meu coração bate forte, mas é um novo sentimento que sobe pelo meu estômago e toma a minha cabeça, adrenalina. Estou louca para descobrir o que ela esconde, louca para voltar aquela casa e entrar naquele quarto, nem que eu precise arrombar a porta aos socos. Aperto o volante com mais força e encaro meu reflexo pelo espelho retrovisor. Olheiras, cabelos desgrenhados, pupilas dilatadas. Pareço Jisoo em seus dias ruins, cheirando aquele pozinho na bancada do banheiro enquanto deixa a chapinha ligada na tomada, quase queimando o quarto inteiro. Nessas ocasiões ela estampa aquele brilho no olhar, aquele que só pessoas a beira da morte possuem.

O segredo do seus olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora