|livro um| duo

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Lalisa mora há meia hora da faculdade, ela costuma dirigir devagar, batucando os dedos no volante no ritmo da música. Ela é desatenta e mexe a cabeça quando canta, quase bateu na traseira de dois carros em apenas uma semana.

Costuma abastecer as quintas e, ao invés de parar no sinal amarelo, ela avança, o que me faz perdê-la de vista por três dias consecutivos, já que o taxista que pago para segui-lá não está disposto a ganhar uma multa.

No quarto dia, quando consigo chegar até o destino final me deparo com outro empecilho: Lalisa mora em um condomínio fechado, e na guarita pedem identificação para entrar. Ela sempre abre a janela do motorista e conversa animadamente com o porteiro, mesmo que aparenta estar cansada.

— Só tem uma coisa que não se encaixa. — Repouso a cabeça nas mãos, cansada.

Lalisa usa um vestido vermelho de bolinhas brancas, como se tivesse saído dos anos 60 e caído naquela aula. Ela sorri ao cantar um "dó", faz careta no "mi" e todos estão apaixonados quando ela termina. Lalisa rodopia seu vestido, parando na ponta do quadro negro para nos xingar, já que ninguém percebeu a musicalidade daquele ato.

É óbvio que ninguém percebe, naqueles poucos segundos as coxas dela ficam a mostra. A pele pálida traz arrepios pela minha espinha, que logo são interrompidos pelo cutucão de Jisoo.

— O que?

— O que, o quê?

Ela rola os olhos.

— O que não se encaixa?

Suspiro e encaro a última página do caderno, com todo o cronograma da semana de Lalisa catalogado, quando ela chega na faculdade e quando saí, quando lancha e quando apenas está na sua sala, lendo ou dormindo.

— Olhe para ela. — Aponto suavemente com a cabeça, passando os dedos pela trança que Jisoo habilidosamente fez em mim pela manhã. No segundo que Jisoo olha Lalisa está brincando com um aluno, eles trocam farpas teatrais até ela decidir tirar cinco pontos imaginários dele. — Lalisa é jovem, é bonita, carismática...

— Ela não é perfeita.

— É claro que é. — Aquilo não pode ser refutado. — Ela preenche todos os requisitos de sociabilidade, seu QI é de 150, é atraente e parece ter uma vida sexual ativa. Não acho que passe o fim de semana em casa, contando carneirinhos... então é isso que não se encaixa: onde ela vai?

Jisoo pondera.

— Realmente, ninguém é tão feliz às 7 da manhã a menos que tenha transado a noite toda...

— Exato! — exclamo, alto demais.

Quando percebo, vários pares de olhos estão sobre mim.

— Alguma contribuição que deseja fazer a aula, senhorita Kim?

"Deseja", a palavra dança pelos lábios de Lalisa novamente, insolente como naquele dia que tomamos café. Ela cruza os braços, esperando a minha resposta. E mesmo que Jisoo também estivesse conversando há minutos atrás, seus olhos estão presos em mim.

— Músicos têm vida sexual ativa? — É Jisoo quem pergunta.

Uma série de risinhos surge, como se estivéssemos na sexta série na aula de biologia. Lalisa parece querer dizer algo que não seria eticamente possível na sala de aula, então decide ir para o caminho mais fácil.

— Depende de pessoa para pessoa. Se isso te perturba tanto pode comparar como está sua vida sexual agora...

— Uma merda — Jisoo responde, sincera, e mais risos enchem a sala.

O segredo do seus olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora