3.1|livro três |bis in idem

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A faca afiada reluz na minha mão, convidativa, como se soubesse o que está prestes a acontecer.

O meu coração bate tão rápido que não consigo ouvir nada a não ser o sangue bombeando nos meus ouvidos. O tum tum tum incessante que traz uma carga elétrica forte o bastante para revirar o meu estômago. Fico com vontade de fazer xixi mesmo que minha bexiga esteja vazia.

Com os dedos firmes em volta do cabo de madeira, respiro o cheiro de medo que toma conta do ar como poeira. As partículas dançam ao meu redor num misto cítrico de suor. Esse cheiro é muito particular e duvido que mais alguém sinta, mas corre em minhas veias como combustível.

Abro os olhos, fitando o porão escuro enquanto a minha presa me espera, sentada em uma cadeira no meio do lugar. As mãos e pernas estão amarradas e uma touca cobre a cabeça.

Prefiro assim, era o método que Lisa usava com os seus alunos e imagino que fosse mais fácil para ela também. Como uma caçadora preciso ter o controle e, quando se trata de abater homens, é muito importante me manter atenta e deixá-los bem presos.

Minha pose é a mesma. Ereta. Devo me aproximar aos poucos e dar a falsa esperança que vou soltá-lo a qualquer momento. O peito dele sobe e desce pela respiração arfante enquanto a urina escorre por suas pernas e chega até o chão em um gotejar constante. O cheiro é forte, irrita o meu nariz, junto a gota de suor que desce pela minha testa. "Ele merece", digo a mim mesma.

Há algum tempo, passei a caçar somente os que mereciam.

Esse aluno em específico tem motivos de sobra para morrer, é fácil odiá-lo. É só me lembrar das fotos em seu computador, das crianças nuas e, então, aperto o cabo da faca com mais força. É mais gostoso fazer isso com os que merecem.

Acabo com a nossa distância para afundar a lâmina na barriga dele, usando a mesma leveza que uso para cortar pão. Por um segundo inebriante, olho para o rosto coberto pela touca e consigo ver a expressão de dor atrás do pano. Os olhos arregalados e a boca aberta, o grito irrompendo pela escuridão num urro animalesco. Ele não terá sorte alguma, pode gritar a vontade, o porão é a prova de som e a casa está no meio do nada.

O sangue começa a escorrer pelas bordas da lâmina, sujando o abdômen marcado e as minhas mãos. Preciso reunir forças para torcer a faca em sua barriga, descendo até a virilha. O rasgo se abre como uma cratera, despejando o líquido escuro. Ele grita mais alto, mas a lâmina só pára ao chegar no quadril. Minha faca é afiada, mas não o suficiente para cortar os ossos, o que não me impede de sentir a pressão que ela faz ao chegar no limite.

Minha respiração está próxima da dele, áspera, enquanto os gritos se perdem. Ele se move como pode e a pele suada salta do corpo, contorcendo sobre a cadeira de metal para frente e para trás, mais e mais rápido, até ele perceber que não adianta lutar. É o momento mais esperado, é quando me sinto a pessoa mais poderosa do mundo: a deusa capaz de criar e matar com a mesma facilidade em que respiro.

É por isso que escolho matar os que merecem, me faz pensar ser diferente deles.

Aos poucos, o brilho some dos olhos que ainda estão fixos em mim.

Ele morre rápido, o que quase nunca acontece porque leva algum tempo para os órgãos pararem. Verifico a pulsação e dou tapinhas no rosto encapuzado até aceitar o inevitável: ele morreu tão depressa que acabou com toda a diversão.

E, em meio ao suor que nos cerca, a campainha do andar de cima toca. Endireito-me de repente, olhando para os lados, mas a lembrança se acende na minha mente.

— Ah, o meu almoço chegou! — Sorrio, limpando a faca no avental branco. Toda a culpa de outrora foi embora assim que meu estômago ronca. — Quer alguma coisa?

O segredo do seus olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora