|livro dois| praeteritum

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— 1, 2, 3, 4... — a voz cantarola, oscilante. —  5,6,7...

Lisa pisca algumas vezes, tentando se situar em meio a escuridão cegante, mas o seu corpo está anestesiado, as pernas pesam como chumbo. Ela ouve a própria respiração pesada, titubeando nos ouvidos, mas não consegue decidir se está sonhando ou não. Aquela voz é conhecida, talvez esteja distante ou sussurrando no seu ouvido. Ela está confusa demais para decifrar.

— 10,11,12... — a contagem continua.

Lisa afasta as mãos dos ouvidos, mas o ambiente está silencioso. Continua escuro, tão escuro que é inútil deixar os olhos abertos, só causa angústia, por piscar e piscar e não identificar nada além da escuridão.

A contagem pára, mas os passos continuam calmos e delicados no chão de madeira.

Lisa sente a pelagem quentinha do gato aos seus pés, ele está com medo. Não sabe qual dos gatos, porque não sabe onde está. As lembranças são confusas, embaralham a sua cabeça. Se for Leggo, está no presente, se for Lulu... bem, se for Lulu, ela tem apenas 11 anos de idade. Repousa a cabeça nas mãos, está tudo tão quente, suor brota pela sua testa. Lisa não tem forças para levantar, vomitou algumas vezes, está zonza. Como pôde abaixar a guarda assim?

Mas, de repente, sente algo se aproximando, os passos são leves demais para ser ele, talvez seja seu eu do passado, talvez esteja mal a ponto de alucinar.

Os passos param.

Lisa pisca algumas vezes, mas novamente não consegue ver nada.

— Se você ficar aí, ele vai te encontrar — a voz aguda diz, parece ser de uma garotinha.

Lisa ri, meio grogue.

— Deveria se preocupar em arrumar um lugar para você se esconder, o que acha?

A respiração da garota se acentua.

— Ele já me encontrou uma vez — responde ela.

— Ah é? Ele te deu uma segunda chance?

Um silêncio se inicia depois da sua fala, pôde imaginar a menina manejando a cabeça em afirmação.

— É melhor você me dá o gatinho, Lili.

Lisa solta uma risada sem humor, há tempos não ouve esse apelido.

— Quem é você?

A menina suspira impaciente.

— Anda logo, me dá o gatinho! — Ela tenta tomá-lo à força, mas Lisa o abraça.

— Por favor, não o leve embora! — As lágrimas rolam pelas bochechas. Há tempos não chora, mas agora, a possibilidade de ficar sozinha com Bambam a deixa desesperada. — Deixe ele aqui comigo, prometo que ninguém vai machucá-lo, eu vou...

A menina bufa, interrompendo-a.

— Ah, Lili... pare de manter ao seu lado coisas que vão acabar mortas uma hora ou outra. É um pouco cruel, não acha?

Lisa limpa as lágrimas com o dorso da mão. Está delirando, agora tem certeza.

— Não sei do que está falando...

— Sabe sim, estou falando da Jennie, sua bobinha. — A menina troca o peso de um pé para o outro. Imagina que ela está usando um vestido de babados rosa, o vestido que gostava de usar naquela idade. —  Jennie vai morrer, morrer de verdade dessa vez.

Lisa tenta se levantar, mas sua cabeça desponta de dor. Senta-se novamente no chão, emburrada.

— Quem é você, porra?

O segredo do seus olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora