3.7|livro três | auribus teneo lupum

1.8K 280 323
                                    




Longe de mim pensar que Kim Jisoo me receberia com flores, mas atirar na minha cabeça?

E eu só percebo que ela tentou "estourar a porra dos meus miolos" tarde demais, o meu coração bate forte o bastante para sobrepor os meus pensamentos. Me sinto quente, e só consigo pensar "Quase recebi um tiro na cabeça, quase recebi um tiro na cabeça, quase recebi um tiro na cabeça..." pela postura de Jisoo no beiral da janela, com a espingarda apontada para mim, ela não parece nem um pouco arrependida.

Inspiro fundo, pronta para pensar em responder a ameaça de segundos atrás, quando Chaeyoung grita ao meu lado.

— Abaixe a arma! — Ela está com revólver em punho, na pose característica de todo policial que vejo na TV.

Ótimo, o que eu preciso agora é de uma troca de tiros entre minha ex-irmã e a detetive-provável-assassina. Estou no meio do fogo cruzado e a culpa é minha por não pensar nas variáveis quando trouxe Chaeyoung até Jisoo. Nenhuma abaixa a arma, elas se encaram na escuridão da estrada. O ar está lotado de tensão como um ser vivo à nossa volta, posso sentir a cada vez que respiro fundo. Chaeyoung está irredutível, mirando o revólver na direção de Jisoo e, aos poucos, vejo a sombra de Jisoo titubear.

Ela finalmente vê o rosto de Chaeyoung e aposto que está espantada como eu quando vi a detetive pela primeira vez. Aposto que Jisoo está duvidando da sua sanidade, se perguntando se aquilo é real, se Chaeyoung é real.

Respiro aliviada assim que ela abaixa a arma.

— Podem entrar — Jisoo sussurra, a voz grave oscilante.

Toco o ombro de Chaeyoung, que ainda não baixou o revólver.

— Está tudo bem. Vamos entrar — tranquilizo.

A detetive me olha de soslaio nem um pouco confiante, mas decide abaixar a arma. Seus ombros continuam tensos ao me seguir até o trailer, e eu me sinto assim também, nervosa e sem fazer a mínima ideia do que pode acontecer dali em diante. A porta é um quadrado de luz em meio a escuridão da estrada e, a cada passo que eu dou, consigo ver melhor a figura que me espera: Jisoo. Depois de tanto tempo estarei cara a cara com ela. Meus pés enfraquecem.

Ela não devolve o meu olhar.

Está ocupada demais encarando Chaeyoung.

>< >< ><


Jisoo fecha a porta enferrujada com um empurrão brusco.

Os cabelos estão loiros, mas a tonalidade está presente apenas nas pontas quebradiças, igual de uma boneca. Os ossos saltam pela camisola maltrapilha de seda azul que combina com o hobby da mesma cor, mas a penugem nas mangas está suja como se nunca tivesse sido lavado. Os anos não mudaram drasticamente a aparência de Jisoo, mas algo nos olhos castanhos amendoados, nos lábios rachados e nas mãos trêmulas, me faz notar o quão cansada ela está. Não é um cansaço normal, é aquele cansaço persistente que já enraizou na alma. As olheiras estão ali como se já fossem de casa, os dentes amarelos, as unhas quebradas e sujas.

Ela não olha para mim, observa minuciosamente a detetive rondar a mesa lotada de bitucas de cigarro. A cozinha tem lixo transbordando e garrafas vazias de Gin. Depois do que parece uma eternidade, Jisoo me olha. Ela está perto da porta, carregando a espingarda na mão esquerda e um cigarro na direita, que enche a sala de fumaça.

Pigarreio, tentando achar a minha voz.

— Quant-

— Quem é ela? — Jisoo interrompe, apontando para a detetive. Seu olhar quer dizer muita coisa, mas consigo captar um "que porra essa mulher está fazendo aqui depois de jogarmos ela em uma maldita represa no porta-malas de um carro?

O segredo do seus olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora