Conforme as coisas se acalmam depois do confronto com Breu, Jack tem tempo para reavaliar seus poderes.
Reavaliar sua vida, e qual o sentido dela.
Enquanto isso, uma nova ameaça desponta do horizonte, prometendo a ruína dos Guardiões de dentro para...
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Breu não teve o trabalho de se levantar da beira do lago, apenas arrumando os pés sobre o gelo deste. Mas Jack sequer o olhou uma segunda vez, tirando a capa dos ombros e a segurando no braço ao se sentar perto do convidado, puxando as pernas para perto ao abraçar os joelhos, sentindo frio.
-- Seus medos recentes foram desagradáveis. -- Pitch disse, apoiando as mãos na neve atrás do corpo e se inclinando para trás, se espreguiçando. -- Sinto o gosto amargo até agora.
-- Você estava certo. -- Jack parecia anormalmente abatido aos olhos de Pitch, o espírito que sempre carregava alegria, mesmo que falsa às vezes, trazia consigo cansaço e melancolia.
O Guardião dos Pesadelos se levantou, tirando a neve das vestes e começou a se afastar, antes de notar que não era seguido.
-- Venha. -- Ele cruzou as mãos atrás das costas, um gesto rotineiro com o qual Jack já estava se acostumando. -- Você precisa de uma bebida.
Dizer que Jack estava nervoso ao entrar no castelo subterrâneo de Pitch era eufemismo. Nem por um instante seus dedos deixaram o aperto forte de seu cajado, seu corpo em alerta para qualquer mínimo ruído. Um lado de sua mente tentava tranquilizá-lo, garantindo que Breu não tentaria nada de mal considerando que os Guardiões poderiam ir atrás de Jack. Mas a voz mais alta da sua mente...
Jack sabia que não era querido. Que os Guardiões só o tinham para serviço, o tornando irrelevante após isso. Se antes isso não estava claro, a festa destacou isso em letras garrafais. Breu também sabia disso, e os Guardiões só iriam procurá-lo caso sentissem sua falta, e quem sabe quando isso podia acontecer? A próxima grande ameaça para que todos se reuníssem podia demorar séculos, até lá Jack podia ser menos que poeira.
Ele estava sozinho, como sempre. E mesmo que a mesma voz alta de antes gritasse que a morte era melhor que a solidão, e que se Pitch o matasse estaria o livrando daquela vida fútil, Jack não podia se render assim.
Entretanto, a maior parte do seu estado alerta se dissolveu quando passaram pela sala das gaiolas, onde o Globo do Breu brilhava fracamente. Isso porque a sala depois daquela era deslumbrante.
Era parecida com o salão do Norte, mas na lareira brilhava um fogo verde estranho. As janelas eram totalmente cobertas por longas cortinas negras e Jack se pegou pensando se havia alguma paisagem ali fora. Todos os móveis eram escuros ou pretos, desde os estofados espalhados perto da lareira e das janelas, as mesinhas, as estantes abarrotadas de livros que cobriam duas das extensas paredes (Jack amou esse último detalhe) até os tapetes de aparência felpuda.
A pouca parte do piso que não era coberta pelos tapetes apresentava desenhos em dourado sobre o mármore negro, que deviam formar alguma coisa em que o Guardião da Alegria não queria pensar agora. Ele estava muito focado em entender o porquê Pitch o havia trago ali.
-- Sente-se. -- Breu disse enquanto abria um armário e pegava duas taças de vinho, assim como uma garrafa de um tinto adorável.
Jack queria recusar. Queria virar as costas e sair, mas estava tão cansado que não se importaria nem um pouco se aquela bebida estivesse envenenada, desde que Breu acabasse com isso rápido e não se demorasse em sua agonia. O platinado deu um passo e mais outro, observando sua sombra se mover conforme seus movimentos, só então se dando conta do enorme lustre de cristal que brilhava sobre sua cabeça.
Não sabia o motivo pelo qual mesmo o lustre brilhando tanto quanto a Lua lá fora, não conseguia afastar a aparência escura da sala. E aquele cristal se parecia tanto com sua máscara que por um momento ficou apenas encarando, tentando encaixar as peças, mas um estalo de dedos chamou sua atenção para Pitch, que apontava com uma taça para uma das poltronas.
O jovem o fez, se impressionando com o quanto ela era macia, assim como o fogo que mesmo próximo, não incomodava sua pele com excesso de calor. Levando a taça aos lábios, deu um gole modesto, esperando alguma explicação de seu anfitrião por estar ali.
-- Você não sentiu medo enquanto o trouxe aqui. -- Breu cruzou as pernas elegantemente, bebendo também. -- Um pouco de nervosismo e algo sutil como tristeza, mas não medo. Você bebe do meu vinho sem receio e entra em um lugar desconhecido com alguma confiança. Estou começando a admirá-lo, Jackson. Não teme pela própria vida?
-- Não. -- Respondeu sem hesitar, bebendo um pouco mais. -- Como sabe meu nome?
-- Seus pesadelos. -- O moreno o encarava em avaliação. -- Suas memórias estão presentes em seus pesadelos desde que as recuperou. Mas não são pesadelos comuns. Eu, como posso dizer... me alimento deles. Não de forma material, mas recarrega minha magia. Pesadelos de seres poderosos me deixam ainda mais forte, e o medo de Guardiões, então! -- Ele deu uma pausa com um sorriso contido, que diminuiu aos poucos, levando a taça aos lábios outra vez. -- Mas seus medos trazem um gosto amargo na língua, ao invés da doçura dos outros seres. Ao invés de ser algo instintivo e irracional, os seus são cobertos de melancolia mal trabalhada e sentimentos negativos. Não é nenhum pouco saboroso, mas sim... insalubre.
Jack o encarou com olhos pétreos, até que deu de ombros e outro pequeno gole. Deveria se sentir ofendido com a invasão, mas fizera o mesmo com ele, então não estava em posição para argumentar.
-- Senti o mesmo ao tentar ler o vazio onde devia estar sua alegria. -- Admitiu com a voz baixa.
-- Eu sei. -- Breu esvaziou a taça. -- Senti quando puxou e abaixei minhas barreiras para ver até onde ia. Seu poder é forte, mas mal canalizado e muito contido. Com maior preparo, poderia invadir até mesmo minhas barreiras e ler os motivos que me deixam triste ou alegres, já que é sua especialidade.
Jack esvaziou sua taça também, a estendendo para Pitch enchê-la outra vez.
-- E como eu poderia fazê-lo?
O sorriso pontudo de Breu foi quase afetuoso ao ouví-lo.
