Na verdade, a gente deu um tempo... – Ela disse e aquele clima maravilhado se rompeu, mais uma vez aquele vazio me invadindo, essa eterna sensação de "pisar em ovos" - ...A nossa conversa, foi muito importante para mim... – Ela me fitou de sobressalto e eu não consegui dizer nada nem gesticular, eu ainda estava absorvendo tudo enquanto ela falava - ...Eu não sei se é isso mesmo que eu quero, um casamento arranjado com um cara que eu não conheço. – E eu lhe lancei um sorriso amarelo, ela gargalhou – Não faz assim, Ellie! Eu estou me abrindo para você! – Ela disse em tom de piedade e eu ri negando com a cabeça – Meu Deus, Aster, parece que estamos no século passado! – Eu dizia enquanto evitava fita-la e ela riu de constrangimento – Ellie... – Ela me chamou por atenção - ...Eu não tenho controle sobre a minha vida. – Ela disse respirando fundo – Acho que nunca tive... – E aquilo me golpeou de uma maneira que eu não esperava, na nossa adolescência ela realmente já não tinha controle sobre sua vida... – Então, eu não sei se isso é de agora, desde o meu... acidente, esquecimento, enfim...ou sempre foi assim... – Ela me fitou parecendo achar alguma resposta e eu estava dilacerada com aquilo – Mas, por mais estranho que possa parecer, eu nunca me impus a ser dona de mim, a ter controle sobre as minhas coisas..- Por quê? – Eu disse, a interrompendo e novamente ela me olhou firme, como se eu tivesse a resposta para aquilo – Eu não sei!... – Ela disse com a voz falha -... Acho que sempre tive medo de ser o que eu achava que fosse, ou o que eu acho que eu sou, eu tive medo de... quebrar as expectativas que eles criaram em torno de mim ...- Aster!! – Eu a interrompi novamente, além de me machucar ouvindo aquilo, pensei em como ela poderia machucar a si mesma dizendo isso em voz alta - ...Eu estou mais perdida do que possa parecer, Ellie... – Ela disse quase num sussurro, um silêncio nos invadiu, eu ainda não conseguia olhar diretamente para ela mas vi um vulto de seu gesto de ajeitar o cabelo - ...Eu... Desculpa, parece até que estou fazendo de você, minha analista! – Ela gargalhou – Não! Aster! Está tudo bem! – Eu disse agitada mas pausadamente e então tive a coragem de fita-la novamente, ela parecia bem, parecia de certa forma aliviada de dizer aquilo, de reconhecer que isso estava acontecendo, como se tivesse desatado um nó, um nó de sua garganta, tirado um peso de si mesma – Estou eu aqui lhe trazendo meus problemas, meus dilemas internos... – Ela justificava enquanto tentava se desculpar, nos recompomos depois de alguns minutos em silêncio, eu tive vontade de chorar, mas me impressionava o quanto ela se mantinha plena e parecia serena com a sua dura realidade, eu era muito fraca para aquilo, vulnerável demais à Aster – É uma droga você não se identificar... – Ela soltou de repente – Como assim? – Eu questionei – Não me identificar como alguém especificamente dentro de uma comunidade, dentro de um grupo de amigos, de um grupo familiar... É uma droga você não ter respostas, não entender nada, sabe? Pior é me dar conta sobre isso agora, realmente agora, como se eu tivesse velado parte da minha vida conforme eles gostariam que fosse, mesmo eu não sendo mais criança...– Eu assenti positivamente –...Desculpa, estou novamente falando de mim – Ela colocou as duas mãos sobre o rosto – Eu amo te ouvir! – Foi tudo o que eu disse, com a maior sinceridade que eu poderia lhe entregar, ela desvencilhou a mão do rosto, sorriu de forma terna e sem jeito – Obrigada! – E estendeu sua mão para mim, eu toquei em sua mão, ela fez um leve carinho no céu de minha mão de agradecimento e eu sorri, ela olhou novamente para minha sala como se tivesse se recuperado daquele movimento de "autossabotagem-de-toda-uma-vida" e procurado outra pauta pra ter o que falar – O que aconteceu ali? – Ela disse enquanto passava os olhos por toda a minha sala revirada – Não sei..- Acompanhei seu olhar – Como assim? – Ela me perguntou incrédula – As coisas foram acontecendo e acabaram assim – Eu disse enquanto gesticulava "sei lá" com os braços e ela gargalhou, levantou-se e foi em direção a sala e a vergonha me consumiu, não queria que ela me achasse a pessoa porca e desorganizada que aquilo demonstrava – Vamos lá, eu ajudo você arrumar essa bagunça..
...
Levamos mais tempo do que parecia realmente levar arrumar toda aquela bagunça, a realidade é que minha sala estava uma zona, literalmente de ponta-cabeça, mas era o perfeito reflexo da minha situação, minha vida estava assim, passou a ficar assim desde que decidi vir por influência do meu tão amado Paul a morar em Nova Iorque. Eu ri sozinha dos meus pensamentos – O que foi? – Ela do sofá me perguntou de relance ao me ver rindo, exausta depois de uma longa arrumação na sala – Não, nada... – Eu respondi e ela ainda me fitava como se esperasse uma resposta – Pensei em um momento em como as coisas mudaram tanto desde que decidi vir para cá por influência do Paul. – A é?! – Ela perguntou meio desconfortada e eu não sabia se era pela mudança ou se era pelo Paul, não que eu achasse ruim ela sentir ciúmes de mim mas era muita alucinação da minha cabeça pensar isso, risos – Mudou tanto assim? – Ela me perguntou de sobressalto e então percebi o desconforto dela – Mudou. – Tratei de alimentar a imaginação dela com minha resposta reta e curta mas ela não se conteve – Para melhor ou para pior?? – Sentei-me ao lado dela, ela que estava largada no sofá tratou de se ajeitar ali – Não sei... -Eu disse a fitando - ...Na verdade, ainda estou tentando entender. – Ela piscava repetidas vezes como ela fazia quando estava ansiosa por alguma ação que ela não tomava – Euuuu... – Dei uma longa falada enquanto pensava no que diria - ...Estou vivendo um dia de cada vez, teve dias ruins, mas também teve dias bons. – Eu fitei o nada enquanto pensava em todas as situações até chegar ali nesse momento com ela comigo na sala – Mais bons ou mais ruins? – Ela não se continha e eu tinha vontade de gargalhar dela – Acho que... bons. – Eu gargalhei – Você acha? – Ela não desistia – Aster! HAHAHAHA – Ela não se conteve e riu também – Ah, não sei... você me disse que desde que chegou não conheceu ninguém e só vive daqui para o serviço, do serviço para cá e...acho que, somos amigas, acho que ..sou uma das suas poucas amigas... – Ela disse pausadamente como se tivesse certo medo de dizer aquilo e me deixar desconfortável, mas a verdade é que não deixava de ser verdade, eu só mantinha contato com o pessoal direto que trabalhava comigo e particularmente ela era a pessoa mais próxima que eu tinha, e...a Eva. – Está tudo certo... – Eu esbarrei meu ombro no dela e ela riu sem jeito – Realmente tive mais momentos bons, meus momentos com você sempre são bons, só quando estou sozinha é que são ruins... – Ela me fitava como se esperasse que eu continuasse contando - ...Fico pensando besteiras. – Eu disse enquanto ajeitava meus óculos sem jeito. – Hm...Nunca morei sozinha mas do sentimento de pensar besteiras eu sei como é... – Ela disse complacente - ...Já sei! – Ela disse arregalando os olhos - ...Eu poderia vir morar aqui com você, assim você não fica sozinha e posso mostrar para minha família que eu tenho autonomia sobre a minha vida! – Ela disse maravilhada com toda aquela ideia enquanto meu estômago revirava com tudo aquilo – Não sei, Aster! Talvez não seja uma boa ideia – Eu disse um pouco contida – Seria perfeito, Ellie... – Ela disse se levantando do sofá, passando os olhos por toda a sala -... Poderíamos dar um pouco de vida a essa sala. – Ela disse enquanto passava a mão pela parede. – Aster, a casa não é minha, é de um amigo, não sei como ele reagiria com isso. – Foi quando ela disse em reforma que me lembrei que a casa era de Paul e que poderia ser a desculpa que eu precisava para cortar essa ideia dela. Ser amiga dela já era muito masoquismo, ser amiga e morar junto seria o cúmulo do masoquismo.
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The Half Of It - A História Continua
FanfictionOlá pessoas leitoras! Eu tinha uma ideia e então durante o percurso ela foi mudada, assim como as diversas coisas mudam durante o nosso trajeto. Essa estória tem um final feliz (?) que gostaríamos de ter visto? Acredito que sim, mas ela pode e está...