CONVERSA

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Nós saímos logo em seguida, Aster queria conversar por ali mesmo, ir na cafeteria mas eu disse que seria melhor em outro lugar, e então vi uma ponta de ansiedade surgir nela, o que seria tão sigiloso que teria que ser em um lugar mais reservado?? - Não tem nenhum parque por aqui? - Perguntei e ela arqueou uma sobrancelha, pensativa - Tem, podemos ir até lá a pé. - Fomos e durante o caminho o silêncio frio entre nós era mais perturbador do que o frio que realmente começava a fazer por conta do horário do dia, ao chegar lá, nos acomodamos em um determinado lugar mais silencioso, ela me fitou, esperando que eu iniciasse algo e eu sorri, tentando desviar meu olhar do dela - Como eu disse, fizemos umas matérias juntas - Hm...- A fitei e ri sem graça, eu realmente não sabia por onde começar - Começa pelo começo - Ela me disse como se tivesse lido o que eu pensava, a fitei desconfiada e fiquei um pouco mais pensativa - Não tem começo, simplesmente aconteceu...- O que aconteceu? - Suspirei de forma pesada novamente, eu começava a sentir uma tremedeira descontrolada em minhas pernas, por sorte, estávamos sentadas porque se não, eu cairia. - Acho que fica mais fácil você me perguntar o que você quer saber e assim eu respondo - Por fim tive a ideia mais genial ou a mais burra possível, mas era mais fácil informar o que ela queria saber do que dizer algo que provavelmente ela não estava preparada para saber e eu também não estou preparada para tal rejeição ou seu afastamento, ela assentiu concordando - Certo... - Ela fez uma pausa e ficou pensativa - ...Como eu era na escola, deslocada e inibida ou descolada e desinibida? - Ela riu daquela pergunta, a fitei, recordando de vê-la cercada de gente pelos corredores da escola mas sempre parecendo estar em outro planeta - Acho que deslocada e desinibida - Nós rimos - Wow..não consigo nem imaginar... - Ela passou a mão em sua cabeleira - Pois é, você era incrível. - Eu sussurrei - Como? - Ela fez menção de que não havia escutado - Pois é..impossível, né? - Mencionei sem graça - Estranho, difícil... - Ela disse tentando resgatar alguma memória. - Deslocada e desinibida? Como se consegue ser as duas coisas...tão utópicas, tão..distantes? - Ela fitou o horizonte tentando se imaginar - Você parecia estar sempre longe, mesmo perto de todos, sempre cercada de gente - Eu disse ao recordar essa lembrança - SÉRIO? - Ela me fitou seriamente - Assim faz mais sentido - Ela ponderou - Sim... - Disse evitando qualquer contato visual - Engraçado... - Ela disse com um dedo sobre a boca - O quê? - A fitei - Meus pais sempre dizem que eu era "a" popular...- Ela disse fazendo as aspas com as mãos, eu sorri de forma leve - E era, bom... De certa forma você era, namorava o garoto mais popular da cidade mas talvez eu lhe enxergasse mais ali do que qualquer um... - Eu ri sem jeito, ajeitando meus óculos e ela chocou seu ombro no meu - Então éramos super amigas, não? Você provavelmente sabia mais sobre mim do que meus pais... - Ela disse com anseio por saber mais, arqueei minha sobrancelha - Talvez seus pais tenham lhe contado o que eles gostariam que você tivesse sido - Ela me olhou surpresa, assustada mas curiosa - Me conta o que houve com você, Aster - Eu disse de forma desesperada entredentes e ela rapidamente mudou o semblante, tenha sido por minha indelicadeza de tocar no assunto de novo ou tenha sido pelo meu tom, ela abaixou a cabeça permanecendo em silêncio - Eu também preciso saber onde foi parar a Aster que eu conheci - Eu sussurrei - Para entender o tanto que você precisa saber de você mesma - Ela ergueu o rosto novamente para mim, assentindo com aquilo - Eu não sei o que houve, eu só sei o que meus pais me contaram - Eu assenti ansiando por sua história - Eu estava na faculdade, então...tive um mal súbito - Arregalei os olhos, ela me fitou de forma terna - E, desmaiei... chamaram os médicos, fui parar em um hospital e no final...- Ela fez uma pequena pausa se recordando de tudo - ...eu tinha um aneurisma na cabeça... - Ela me fitou, mas de forma terna como resposta para a minha surpresa -... perdi parte da minha memória de médio e curto prazo, só tenho lembranças de longo prazo, por exemplo... de minha vida em Sacramento, da minha infância e posso lhe garantir que também não são as melhores - Ela disse gargalhando desapontada e eu estava em choque - Aneurisma? - Eu disse com a garganta seca - Sim! Operei, tudo certo agora - Ela virou a cabeça e me mostrou uma pequena cicatrização próxima de seu olho esquerdo - Bom, passei por um longo tempo fazendo fisioterapia me recuperando de umas sequelas que haviam permanecido no lado esquerdo do meu corpo, mas a minha memória...até hoje é uma luta interminável para surgir qualquer resquício de história daquela época ou de antes daquilo... - Ela disse desapontada - Tudo bem! - Eu disse de forma terna mas internamente eu estava com meu coração dilacerado - Eu espero que você me ajude com isso!... - Ela disse esperançosa e eu engoli em seco novamente - ...Digo, espero que com o que você for me contar sobre mim, as lembranças ou uns flashes possam começar a aparecer! - Ela sorriu com expectativa para mim, esperançosa, da forma que eu amava e eu não pude conter em olhar fixamente para ela, um nó se formou em minha garganta, eu tive novamente aquela vontade de chorar diante dela mas seu celular tocou rompendo aquele momento bom e dolorido entre nós. - Desculpa, Ellie! É o Israel, já volto. - Ela se levantou de onde estava e ficou um pouco distante de mim conversando com ele, diferente do outro dia, ela parecia um pouco tensa ao telefone com ele, a ligação durou alguns minutos e ela desligou de forma repentina e estava voltando a se juntar a mim um tanto mais séria do que eu estava acostumada a vê-la - Está tudo bem? - Fiz menção de que se seria uma boa hora para continuarmos ali - Não, sim, está...só uns problemas pendentes. - Ela disse séria - Do casamento? - Não passava meu ímpeto de saber mais sobre eles - Sim, também. - Ela disse com a intenção de cortar o assunto e permanecemos algum tempo com um silêncio perturbador até que ousei em perguntar - Você o ama? - A fitei e ela me olhou séria, um olhar duro de "que pergunta estúpida é essa?" - ...Digo, você está pronta mesmo para... viver assim, em um casamento?! - Ela me olhava com reprovação - Como assim? Está tudo certo! - Ela disse rindo de forma nervosa - Não foi isso que eu perguntei - Disse de forma leviana - Ellie! - Ela me reprimiu - Desculpa, Aster...mas, só não parece você! - Ela me olhou de forma analítica e em seguida, amoleceu para uma compreensão - Digo, não é a Aster que eu conheci - Dessa vez foi ela que suspirou de forma pesada - Estou tão confusa... - Ela confessou -...Saber quem eu fui é tão importante por isso, estou a ponto de tomar a decisão mais difícil da minha vida, e ainda me sinto como parte de uma pessoa e não uma pessoa inteira, entende? - A fitei, chocada com aquela confissão e o que Eva havia dito começava a fazer sentido - Você tem dúvidas dos seus sentimentos por ele? - Fiz menção - Não, tenho dúvidas de se estou sendo eu... - Ela me fitou -...Acordo todas as manhãs imaginando que posso ser uma outra pessoa e esta aqui - Ela fez menção com a mão apontando para si mesma -... Seja uma farsa. - Eu gargalhei e ela permanecia séria - Desculpa! - Tratei logo de arrumar as coisas - Tudo bem...- Ela ajeitou os cabelos atrás da orelha de novo - Não sei se você consegue entender, se alguém consegue... não é só a falta de memória que me aflige, eu passei a ser moldada pelos meus pais depois de adulta, porque eu não me conheço e eu tenho receio dos meus impulsos - A fitei, como se isso fosse resposta o suficiente para entender tanta coisa - Talvez seja mais do que isso, talvez sua vida inteira tenha sido moldada, Aster. - Disse entredentes e ela me fitou, analisando que aquilo poderia fazer tanto sentido para ela - Viu, talvez eu seja uma grande farsa mesmo! - Ela disse cerrando os olhos, em seguida olhou em seu relógio - Desculpa, Ellie! -Ela disse se levantando e eu prontamente me levantei em seguida - Eu preciso ir, já está na minha hora! - Mas assim que ela se virou contra mim a segurei pelo pulso - Espera, Aster! - Eu disse com uma certa urgência - E ela voltou sua mirada para mim - Não precisa sair assim! - Ela evitou nosso contato visual - Não estou lhe reprimindo, talvez eu tenha sido sincera até demais - Afrouxei um pouco a minha mão sobre seu pulso, eu ainda queria manter aquele contato - Eu sinto muito se fui tão direta com isso! - Ela enfim me fitou e assentiu com a cabeça - Está tudo bem... - Ela tentou parecer ser compreensiva - ...Talvez só seja informação demais para uma noite! - Eu tomei seu outro pulso, e agora cada uma de minhas mãos a segurava - Informação demais ou informação dura demais? - A encorajei para aquele momento mas ela permaneceu em silêncio, eu tive vontade de abraça-la, estava sendo duro demais para mim saber que ela teve um aneurisma e como eu fiquei todos estes anos sem saber notícias suas e como isso mudava toda e qualquer percepção que eu pudesse ter dela anteriormente ao agora - Eu preciso ir, já está tarde e ainda tenho umas pendências para resolver... - Tudo bem! - Eu consenti, soltei seus pulsos, talvez eu estava a pressionando demais - Mas podemos marcar outro dia, se não for lhe incomodar - Você jamais incomoda, Aster! - Ela sorriu assentindo - Que bom... - Ela mordiscou o lábio inferior -... Mesmo não sabendo quase nada de mim, não lembrando de nada, de ninguém, muito menos de você - ela riu nervosa - estar próxima a você me deixa de uma forma que eu pudesse sentir a Aster que está há tanto tempo dentro de mim esquecida, talvez...a que não seja uma farsa - Eu tentei raciocinar e dizer qualquer coisa coerente que não fosse estragar tudo o que ela estava confessando a mim, mas nada disse, só sorri para ela, permanecemos ali, uma diante da outra, sorrindo - Obrigada! - Por fim eu disse.

...

Enquanto eu voltava para minha casa, o vento batia com força em meu rosto, e eu pensava no que tinha ocorrido hoje com Aster, em como tudo parecia dar voltas e mais voltas e não dar em lugar algum, que todas as minhas deduções caiam por terra mais uma vez, e que eu precisava dar tempo ao tempo para entender o que estava acontecendo, mas a questão era, será que eu tinha tempo suficiente? Será que tínhamos tempo suficiente? Supliquei a todas as energias existentes no universo para que essa noite fosse calma e profunda e que eu pudesse dormir e descansar, porque eu precisava e merecia...

The Half Of It - A História ContinuaOnde histórias criam vida. Descubra agora