MÃE

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A partir daquele dia as coisas estavam... "normais"? Eu não sei se essa seria palavra para definir a relação que vínhamos construindo, por mais que eu demonstrasse abertura a ela ou de como eu gostava de conversar e me sentir próxima dela, muitas vezes eu não a sentia assim próxima a mim, ao mesmo tempo que me sentia preenchida com nossa conexão passava-me um fio de vazio, de descompasso...Nem todos os dias eram bons e muito menos fáceis, pode passar uma ideia masoquista eu querer no mínimo a amizade da Ellie, mas o que vale aqui é dizer à vocês que com ela me sinto presente em algum lugar, não somente mais uma pessoa entre a multidão, Ellie era especial para mim e me fazia sentir especial também, apesar das muitas vezes em que venho relutando o chute para o alto e confessar que estou apaixonada por ela ou de que no futuro estamos juntas – que pode parecer loucura para ela, poderia parecer para mim caso fosse o contrário RISOS – eu consigo suportar a ideia de sermos só amigas, mas afinal...grandes amores nascem de grandes amizades, ou estou enganada? Digo, pode acontecer...

Enfim, encarar meus problemas de adolescente-apaixonada-não-correspondida, sustentar um namoro que não existe, lidar com a situação de ser a religiosa que minha família quer que eu seja. Talvez não seja nada, talvez seja um problema minúsculo, mas para mim era como um peso em minhas costas. Hoje não! Decidi que não iria para a escola, não encararia meus monstros, ficaria em casa.

O dia seguinte chegou, e um pouco mais de coragem aflorou ou seria menos indisposição, decidi "encarar" minha realidade e fui à escola. Chegando lá Fernando me abordou dizendo que haveria reunião na rádio após a aula. A manhã transcorreu bem, eu ainda não havia a visto e de qualquer forma isso soou para mim como uma coisa boa mas no fundo uma coisa ruim, uma sensação de vazio me aterrorizava, é masoquismo demais querer estar ao lado de uma pessoa de uma forma que você não sabe se existe a possibilidade da outra pessoa querer estar com você também? Bom... mas sabia que após a aula nos encontraríamos na reunião da rádio.

Mas este dia passou a ser atípico de minha parte...

No intervalo eu estava com Trig e o pessoal na cantina e estava atenta em algum assunto aleatório que o pessoal conversava mas o assunto se tornou desconexo para mim quando vi Ellie recostada na parede do outro lado da mesa de frente para a nossa, ela estava me fitando com as sobrancelhas franzidas e eu sorri levemente para ela e ajeitei meu cabelo atrás do orelha, nesse instante senti pesar o olhar da Salamandra sobre mim e a fitei, ela olhou para a direção que antes eu estava olhando e viu Ellie lá. Ela expressou animo e me orientou com a cabeça a ir até lá. Eu olhei meio incrédula para ela e ela sorriu abertamente, o fato curioso é que ninguém notou que trocamos uma ideia somente gesticulando daquele jeito. Eu sorri sem graça e olhei de novo para Ellie que se mantinha intacta do outro lado, só que dessa vez ela me lançou um aceno de leve e então esse foi o empurrãozinho que eu precisava, não me contendo mais com aquela situação eu pedi licença às pessoas ali e me retirei mas não antes de Salamandra me lançar um sorriso e uma piscadela que me deixou ruborizada.

Ao ajeitar minha postura em pé, automaticamente senti meu ombro se retrair como se eu estivesse com vergonha de ir até ela. Chegando lá eu acenei da mesma forma a ela. "Hey" foi o que ela me disse com um ar de curiosidade e com um sorriso leve, isso foi irresistível para mim – Oi! – Eu disse com a voz falhando – Está tudo bem? – Ela me perguntou com aquele olhar selvagem que eu amava – Sim?!... Por quê? – Disse mais uma vez ajeitando meu cabelo atrás da orelha, atipicamente eu estava retraída para conversar com ela – Você não veio ontem e está meio que... monossilábica comigo – Era por isso que eu resolvi faltar aula ontem...A questão é que ela tinha uma parcela de culpa por eu me sentir assim, não que ela fosse a "vilã", não a culpo...afinal a culpa toda era minha, eu não falava de uma vez o que eu já sentia, eu não encarava a realidade de poder ser rejeitada por não ter noção de que a dois anos, estaríamos perdidamente apaixonadas uma pela outra, nesse momento me sentia presa em uma bolha em que não avançaríamos nessa relação ou talvez tivesse que ser ali ou não era para nos tornarmos amigas agora...Mas, tudo caiu por água abaixo quando a voz dela ecoou em minha cabeça com ... "Você não veio ontem...", ela notou minha ausência, talvez ...ela sentisse minha falta ou tenha ficado preocupada ou ...não sei, mas era nessas pequenas coisas em que eu me sentia apegada, notada... – Eu só ando meio indisposta por estes dias... – Eu disse sem muita emoção – O que houve? Aconteceu alguma coisa? Se você quiser conversar... – Ela tocou em um ombro meu e diretamente meu olhar se direcionou àquele contato tão próximo e eu não soube disfarçar e ela tirou rapidamente sua mão dali como se fosse um contato exagerado ou como se ela tivesse invadido um espaço não permitido e eu ri daquilo – Está tudo bem! Obrigada... – Eu disse a tocando de volta, como uma resposta de "está tudo bem com isso" – Você vai à reunião da rádio depois da aula? – Questionei-a – Sim, vou... Você também vai, né? – Ela falou com uma certa urgência de resposta positiva e eu só confirmei com a cabeça – Então... podemos ir juntas? – Por essa eu não esperava – Eu passo na sua sala quando acabar a aula e de lá podemos ir para a reunião – Eu assenti novamente e ela me olhou incrédula – Bom, vou indo...até mais! – E ela acenou sorrindo de leve.

Após a aula, quando eu estava terminando de guardar minhas coisas dentro da mochila a vi de sobressalto na porta de minha sala, realmente estava sendo um dia atípico...

Na reunião, Fernando levantou a questão de que o dia das mães estava próximo e de que queria fazer uma programação diferente na rádio para o início do mês de Maio, Ellie que até então notava-se animada na reunião, passou de uma linda flor perfumada para uma flor murchar necessitada de água, permaneceu o resto da reunião em completo silêncio e incomodada com aquilo.

Quando Fernando enfim encerrou aquela reunião, a vi levantar rapidamente dali se despedindo de todos de forma geral e saindo com urgência... A minha sorte foi que ela não era tão ágil para desbloquear o cadeado de sua bicicleta como era ágil para caminhar...


Cheguei até ela ainda meio ofegante – Ellie! – Dissepuxando o ar – Ela me olhou incrédula ali – Ah..Oi?...Está tudo bem? – Ela ainda estava na defensiva me colocando como o centro daquilo ali pelo meu humor da manhã e ignorando o fato de como na verdade foi o humor dela que mudou durante a reunião – Você... – estava me recuperando ainda - ... ficou estranha durante a reunião hoje. – Ela me fitou e ficou em silêncio – ...O que aconteceu? – Perguntei a fitando séria – Nada... – Ela já ia passando por mim com sua bicicleta quando segurei com força o guidão da mesma impedindo que ela saísse dali – Ei!! – Ela pestanejou – Fala comigo! – Eu disse meio alterada e ela me fitou assustada – Perdão! – Eu disse bufando – Acontece é que... – Eu estava pensando em como dizer sem que ela saísse correndo dali ou de que eu parecesse exigente demais ou estranha demais por dizer aquilo -...Você não fala comigo! – Eu despejei em um sussurro e ela me lançou um olhar confuso – Como assim? – Respirei fundo e tentei explicar – Você não fala muito de você... Digo, você já sabe tanto sobre mim e você nunca fala sobre você – fitei sua expressão corporal, analisando como ela estava recebendo aquilo e parecia estar calma -... O que eu quero dizer é que você pode confiar em mim, para desabafar ou para falar sobre qualquer coisa que você quiser – Eu sorri suavemente piscando desesperadamente de nervoso – Está bem – Ela disse com um fio de voz – Está? – perguntei incrédula e ela suspirou e me fitou – Desculpa, olha... – ela estava tentando dizer mas estava meio desajeitada - ... Isso tudo para mim...é muito novo... – ela apontou com o dedo eu e ela -... Eu... estou aprendendo a ter uma amiga... – Eu sorri com aquilo, como ela poderia ser daquele jeito? Ela me fitou e ficou ruborizada porque eu ri -...A ser amiga, a ter uma amizade... Eu ainda não sei como é isso – Ela passou a mão no rosto por se sentir envergonhada e eu segurei seu antebraço – Está tudo bem! – Eu disse sorrindo gentilmente – Eu já entendi, eu não a quero pressionar a nada, eu não quero que você se esforce em tentar ser minha amiga... eu já lhe disse, eu gosto de você do jeito que você é... mas é que ...às vezes eu acho que você simplesmente não quer conversar comigo – ela se encolheu – NÃO! Não é isso, jamais seria isso... – Ela despejou e eu sorri leve com aquilo – Eu quero que você me procure com naturalidade, quando sentir confiança em querer conversar comigo...– Eu disse de forma calma – Não se trata de confiança, eu confio em você! – Ela disse me interrompendo e sorriu de forma vergonhosa para mim e o meu coração se aqueceu com aquilo, eu nunca sabia em que nível nossa relação estava ou nunca estava preparada para receber essas coisas dela – Eu só...só não sei se... me sinto à vontade...ainda... sabe? - Eu assenti fazendo um leve carinho em seu antebraço com a minha mão que ainda o segurava e ela sorriu – Fique bem! – Eu disse de forma doce -... Não sei se lhe serve de algo, mas... Eu estou aqui! – Eu disse a fitando nos olhos e ela me fitou assentindo que sabia. – Agora, eu preciso mesmo ir. – Ela olhou para a minha mão em seu antebraço e em um relapso soltei-lhe o braço e ela sorriu e partiu.

The Half Of It - A História ContinuaOnde histórias criam vida. Descubra agora