Capítulo 92 - Até quando não usa nada

1.8K 224 1.1K
                                    

Até quando não usa nada


Marcela

— Então você consegue me passar semana que vem um cronograma do projeto? Precisamos entregar a submissão para participar até dia trinta e é um prazo um pouco apertado — Thales disse entre um fôlego e outro enquanto o Thales Júnior continuava o berreiro do outro lado, quase como uma sinfonia de terror.

— Primeiro eu tenho que conversar com o arquiteto, sabe? Eduardo Senna, gerente do setor de Construção Sustentável? Ele ainda nem faz ideia e nem sabemos se ele vai topar — eu comentei, passando minha mão pelos meus cabelos e sentando-me no sofá ao olhar para o papel que estava no meu colo.

Eu tinha medo de olhar para o celular na minha mesinha de centro e descobrir que estávamos conversando fazia mais de uma hora e meia, porque isso me tornaria a pessoa mais inconveniente da história, visto que Thales estava com um bebê brincando de roxinho e eu estava apenas brincando de divagar sobre engenharia com ele. Eu até tentei desligar, porém sempre que eu começava a dizer "boa noite, até amanhã", ele prendia a respiração e falava "Noronha, o que acha de...?". Normalmente eram ideias muito boas, de verdade, por isso que o assunto estava rendendo mais do que o moralmente aceitável.

Juro que eu estava tentando organizar todas as nossas ideias e planos para dominar o mundo, mas eu nunca sabia exatamente o que fazer quando Thales utilizava o termo "prioridade zero". Isso significava que ele não tinha nenhuma prioridade ou que aquilo era prioridade máxima em relação a todo o restante? Quero dizer... era uma expressão muito ambígua, não era?

— Segunda, Marcela, segunda pela manhã — ele me garantiu e eu o ouvi murmurar algo para sua esposa como "não você, querida, a que trabalha comigo".

— Lembre-se disso antes de me cobrar um projeto na segunda pela tarde, pode ser? — eu soltei delicadamente e me arrependi no mesmo instante, fechando meus olhos e mordendo os lábios para que eu não falasse mais nenhuma besteira.

Não era assim que você deveria falar com o Chefe-Supremo da sua empresa, principalmente quando ele havia te escolhido para um projeto incrível e estava te apoiando em todo o processo.

No entanto, ao contrário do que eu havia imaginado, Thales apenas riu sobre o que eu disse e o choro do Júnior diminuiu exponencialmente. Eu podia jurar que havia uma risada gostosa de bebê do outro lado substituindo os berros e eu sorri com aquilo.

— Pode deixar e eu juro que vou me controlar para não falar sobre trabalho no churrasco do Galileu — ele me prometeu e eu queria gravar aquela conversa para usar como trunfo, mas ultimamente eu estava completamente sem moral.

Na semana anterior, eu havia ligado as duas da manhã quando estava assistindo um documentário sobre a construção da Grande Ponte Danyang-Kunshan, que conectava Pequim e Xangai, e nós dois até debatemos durante um tempo sobre as tensões residuais e químicas de uma ponte desta extensão a longo prazo para ver se faria sentido algo do gênero para ponte Bahia-Itaparica.

Eu me orgulhava disso? Não muito, mas eu amava falar sobre engenharia e Thales me dava a brecha para conversarmos por horas sobre o assunto, já que ele também era viciado no assunto — dois workaholics em contato era uma receita pronta para conversas extensas e surtos permitidos a qualquer horário.

— Combinado, então — eu me deitei no sofá e respirei fundo, contando uma pausa de dois segundos para entender que o assunto havia morrido pela noite — acho que é isso, Thales. Nós nos vemos amanhã no trabalho e boa noite com o filhote, espero que a cólica melhore.

Cuidado, é mentira!Onde histórias criam vida. Descubra agora