Capítulo 6 - Eu entendi seu plano

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Eu entendi seu plano

Eduardo

Destravei o alarme do carro e fui direto para o banco do motorista, tentando não olhar demais para Marcela, porque ela com certeza já estava muito irritada com todos os olhos masculinos daquele lugar em cima dela o dia inteiro, como se ela fosse um bife à exposição.

O que era muito errado. Ficar olhando para ela e o bife, no caso.

Ela entrou graciosamente no carro, se equilibrando sobre sandálias de salto bem altos e puxando o vestido para baixo o máximo que deu — o que, naquela posição, não era muito. Ela jogou um casaco sobre as pernas novamente, cobrindo a oitava e a nona maravilhas do mundo.

Marcela pegou o celular e começou a digitar alguma coisa enquanto eu dava partida e saía do estacionamento, nos levando à avenida lotada e praticamente impossível de adentrar pela quantidade de carros. Às vezes, enquanto eu esperava nos engarrafamentos intermináveis, eu me culpava pela quantidade de monóxido de carbono que estava lançando na atmosfera, assim como todas aquelas pessoas. Eu até usava etanol, que supostamente era menos poluente, mas mesmo assim.

Será que eu tinha moral para brigar quando meu vizinho não separava o lixo seco do orgânico? Qual é, é só ter duas sacolas diferentes e colocar nas lixeiras certas! Não é difícil!

Marcela, apesar da aprovação do projeto, parecia um pouco aborrecida. Eu sabia que estava prestes a cutucar a onça com vara curta e que provavelmente ia tomar uma resposta atravessada, porque aquele era o mood do dia, mas, supondo que eu era mais corajoso do que nosso amigo Valtinho, eu resolvi correr o risco.

— Você quer... — hesitei, olhando para o lado quando o HB20 que estava na nossa frente parou porque a fila de carros naquela avenida era praticamente interminável. — Conversar sobre algo?

Marcela ergueu os olhos para mim em um claro sinal de confusão. Ela não estava com aquele batom mais cedo, percebi.

— Sabe... — hesitei de novo. Talvez Valter e eu tivéssemos muito em comum, no fim das contas. Acho que vou chamá-lo para um chope qualquer dia, ele precisa espairecer. — A gente aprovou um projeto incrível e apesar disso você está chateada.

Ela suspirou e arrumou o cabelo atrás das orelhas. Voltei a dirigir, porque o trânsito parecia menos afogado agora que dois ônibus tinham virado em uma das ruas que saíam da principal.

— Você viu o que aconteceu — ela disse, simplesmente. Sua voz não hesitou ou pareceu dura demais, mas também não era enérgica e firme como sempre costumava ser. — Para começar, eles acharam que você era o engenheiro.

— Ok, isso não foi legal mesmo — disse eu, sem dar muita importância. Tinha sido um erro, certo? Talvez eles não tivessem visto direito nos e-mails que era Marcela e não Marcelo. — O crédito era todo seu e...

— Eduardo — ela me parou. — Eles acharam que era você porque você é homem.

Apertei a mão no volante, porque a ficha caiu. Acho que não importa o quão desconstruído você seja, ou o quão longe na estrada da desconstrução você esteja caminhando, mas quando você não é a minoria oprimida, você não entende e talvez não perceba de plano quando o sexismo está bem na sua cara. Não tinha sido um erro bobo, como confundir uma letra do nome.

E aí teve o comentário do vestido — que, sinceramente, ficava mesmo lindo nela —, mas, puta que pariu.

— Má — eu disse, parando atrás do mesmo HB20, que começou a buzinar para o Focus que estava na frente, que começou a buzinar de volta, então o Onix atrás de mim começou a buzinar também e uma leve vontade de andar por aí de helicóptero me surgiu.

Cuidado, é mentira!Onde histórias criam vida. Descubra agora