Capítulo 82 - Vitório Gava, prazer

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Vitório Gava, prazer


Eduardo

Três semanas antes

Apertei os dedos da mão direita na mão esquerda, ouvindo o som das falanges estalando em sequência ao mesmo tempo em que encarava Marcela levando uma colher à boca, totalmente desatenta ao fato de que eu estava, mais uma vez, me questionando se estava fazendo a coisa certa.

Claro que eu me arrependi de esticar a pele dos meus dedos, porque eu ainda estava com os cortes da mão cicatrizando depois de me machucar com o rosto de Igor, então aquilo doía. Os hematomas do meu rosto tinham finalmente começado a clarear, mas isso não impedia as pessoas de olharem para mim com estranheza — o cara machucado que ninguém sabia porque, cheio de pontos e arroxeados. Eu já estava quase me acostumando a chamar olhares onde quer que eu fosse.

Mas não Marcela, aparentemente, porque ela olhou feio para o garçom, que encarou meu olho e minha sobrancelha contundida como se estivesse fazendo um estudo detalhado sobre o assunto, quando veio deixar as sobremesas.

Eu tenho certeza que o sorvete de banana caramelizada estava incrível porque Marcela parecia gostar muito, mas eu não podia afirmar com certeza porque eu apenas estava engolindo mecanicamente enquanto questionava se deveria me intrometer em um assunto que definitivamente não era meu.

Quero dizer, realmente não era.

Talvez nem fosse para eu saber.

Bem, ela tinha me contado.

Mas mesmo assim, não significava que eu deveria fazer algo sobre.

Embora... Também não sei se significava que eu não deveria fazer algo sobre.

Normalmente, esse era o momento em que eu pediria ajuda para Leandro e Henrique Francisco sobre o que fazer, mas não é como se eu pudesse explicar direito, porque, novamente, não era algo meu.

Era dela. Só dela.

Eu jamais falaria sobre aquilo para ninguém, porque ela tinha confiado em mim e eu queria fazer jus todos os dias ao voto que recebi. E faria, porque eu vi no rosto dela, no churrasco do último fim de semana, que não tinha sido fácil para Marcela expor aquela ferida para mim e...

Marcela sempre era tão linda daquele jeito?

E sempre tinha me olhado daquele jeito? Com os olhos me analisando, mas não exatamente como você faz quando está tentando entender o que é aquela mancha perto do nariz... Como se ela tivesse olhando detalhes, apreciando algo que ela gostava, que podia estar nos meus olhos, ou no meu nariz, ou na minha boca ou...

Provavelmente era só aquele roxo ao redor do meu olho que me deixava parecendo meio-panda.

— Meus roxos estão distraindo você? — perguntei a ela, notando que ela sacudiu a cabeça devagar e desviou os olhos e que havia uma manchinha de tinta amarela perto da gola da blusa creme que ela estava vestindo.

E aí ela sorriu e eu senti meus ombros relaxarem um pouquinho.

Era a terceira vez que nós almoçávamos juntos após o dia do churrasco, mas era a primeira vez que eu me sentia sem saber o que fazer. Onde colocar as minhas mãos. Como repousar a colher na taça de sobremesa. O que fazer com as minhas pernas, que pareciam grandes demais embaixo da mesa e... Bem, o lado bom disso é que o pé de Marcela estava deliciosamente pressionado contra a minha panturrilha, o lado ruim é que eu não estava conseguindo aproveitar isso direito porque eu não queria correr o risco de machucá-la de novo depois da nossa briga — pela qual eu acho que nunca ia conseguir realmente parar de me culpar, mesmo que ela aparentemente não me culpasse — e porque eu estava pensando em como fazer o que eu queria fazer.

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