Capítulo 40 - Você precisa esfriar a cabeça, parceiro

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Você precisa esfriar a cabeça, parceiro


Eduardo

Eu acordei com meu celular tocando e, naqueles breves segundos em que a minha consciência voltava para o meu corpo, notei algumas coisas: a) eu e Marcela estávamos enroscados de novo e, daquela vez, eu era quem estava com a cabeça repousada no vão do seu pescoço; b) minha mãe não tinha a menor noção de que as pessoas não acordavam cedo em pleno domingo, o que me levou a conclusão que c) eu não fazia a menor ideia de que horas eram.

Tentei me afastar de Marcela com delicadeza, para que ela não acordasse, e acho que tive mais sucesso do que ela no sábado. Bom, pelo menos eu não tinha ido parar no chão, embora o fato de ela ter se aconchegado em mim com tanta naturalidade ainda colocasse um sorriso no meu rosto.

Caralho, ela era linda.

Ainda meio desatento por conta do vinho da noite anterior — Romeu não brincou quando disse que eu tinha que experimentar porque era delicioso — seguido de um debate sobre aceitar ou não a sugestão de Marcelo de misturar rosas lilases com a decoração totalmente cor-de-rosa dos arranjos de mesa que se estendeu por muito mais tempo do que eu achava ser possível, eu me levantei e saí do quarto, coçando os olhos e lembrando que minha participação na conversa foi "Marcelo provavelmente sabe do que está falando", o que fez os três rirem de mim porque eu ainda me assustava com Marcelo Noronha.

Em minha defesa, ele não ficava menos perigoso com o passar do tempo.

Fui até a cozinha e então atendi a chamada da minha mãe, que provavelmente já estava pegando a chave do carro na cestinha na cozinha para vir até São Paulo dar um cascudo no filho de trinta anos por ele ousar não atender a mamãe. Era uma possibilidade real ela dirigir por uma hora de Campinas até meu apartamento se achasse que alguma coisa aconteceu comigo.

— Oi, mãe — eu disse, cobrindo a boca para um bocejo e ajeitando o cabelo com a mão porque sabia que ele estava um perfeito ninho de rato àquela altura.

— Finalmente, né, Eduardo? A gente fica nove meses com a pessoa na barriga para no fim ele só atender na quarta vez que a gente liga! — Eu neguei com a cabeça e sorri. Às vezes eu me esquecia de como gostava de falar com Esther Senna, mesmo quando ela falava alto demais e fazia drama como se eu esquecesse que tinha uma mãe.

Ela, normalmente, era uma pessoa totalmente paciente e eu juro por Deus que o sorriso dela era a coisa mais calmante do mundo todo — talvez fosse parte de ser psicoterapeuta e lidar com distúrbios mentais e comportamentais. Tinha um lado bom e um ruim em ser filho de alguém com essa profissão: eu sempre tinha um ombro amigo e uma pessoa para me ouvir, mesmo que eu tivesse que ter chegado à adolescência para realmente entender que estava tudo bem compartilhar sentimentos com a minha mãe; o outro lado era que ela ainda era minha mãe e às vezes eu simplesmente precisava que ela concordasse comigo ao invés de me analisar. E, é claro, havia os momentos em que ela simplesmente era o motivo de eu querer fazer terapia (com outra pessoa, devo ressaltar).

— Bom dia, Esther, tudo bem? — Eu sabia que ela odiava que Cecília e eu a chamássemos de Esther, então fiz aquilo só para provocá-la. — Eu estava dormindo, mãe. — Bocejei, quase como se para demonstrar meu ponto. — Você me ligou mesmo quatro vezes? Domingo de manhã?

— Preciso marcar horário na sua agenda para falar com você agora, garoto? — perguntou no mesmo tom e eu comecei a rir, fazendo-a rir junto. Eu adorava a risada dela.

— Sempre disponível para você, mãe. Especialmente na parte da tarde, devo ressaltar — bocejei de novo e me encarei no reflexo da geladeira de inox de Marcela. Não dava para ver muita coisa ali, é claro.

Cuidado, é mentira!Onde histórias criam vida. Descubra agora