Capítulo 101 - Amor e queimadura à primeira vista

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Amor e queimadura à primeira vista


Marcela

Eu ajustei meu nível de novo.

Pela quinta vez.

E a bolha continuava inclinada para a direita.

Não foi isso o que eu havia aprovado.

— Sandrinho, vem cá — eu chamei o engenheiro com a voz suave, interrompendo sua conversa sobre Trufas Italianas x Trufas da Cacau Show com Cecília — tá vendo isso daqui? — eu apontei para o meu nível com a água verde neon brilhando na nossa cara — que merda é essa, Sandro Ventura?

Eduardo olhou para a irmã que apenas revirou os olhos como se estivesse falando "deixa os engenheiros se matarem" enquanto ainda conversava com Isaac pelo celular fazia quinze minutos, falando sobre uma telha de fibra vegetal que supostamente seria ótima para o isolamento térmico em uma Galeria no Rio de Janeiro — a gente já tinha batido aquilo antes e, com o tratamento certo nas fibras, aquilo poderia até funcionar, assim como poderia causar uma infiltração, por isso aqueles mil minutos de conversa.

— Seus cálculos, sua obra, seu piso torto — ele enfiou as mãos no bolso da calça cáqui e eu arqueei minhas sobrancelhas, pegando meu nível e cutucando a barriga dele.

— Você é o engenheiro responsável — retruquei, com um sorriso plástico e uma vontade de bater a ferramenta em sua cabeça dura — você estava aqui na obra. Tá tentando fazer uma releitura da Torre de Pisa?

— Se eu estivesse, a minha seria conhecida como a Torre de Pisa e a outra como aquela-que-não-deu-muito-certo — ele franziu o nariz e eu rolei meus olhos.

— Sandro, as pessoas vão precisar de uma bota de escalada! Está, tipo, meio grau inclinado! — eu expliquei algo que ele com certeza já sabia.

Só que o Sandro ficou vermelho meio arroxeado e estreitou os lábios em uma linha tão fina que eles quase desapareceram.

Eu deveria ficar preocupada?

— Fala isso pro eco-chato ali que disse que o auto-nivelamento do piso que escolhemos era quimicamente agressivo ao meio-ambiente e... — ele apontou com raiva para Eduardo que colocou a mão no peito e murmurou "quem? eu? obrigado", abanando o comentário de Sandro como se fosse um elogio carinhoso — aí, a gente usou bambu tratado e depois passou aquele negócio estranho que deixa tudo cheirando meio como um pinheiro queimado?

— Sei — eu olhei de novo para o chão e depois para Eduardo — e por que você não me contou que tivemos esse desvio de curso no que a gente planejou?

— Você já tentou dizer não para a Cecília e aqueles dois olhos azuis dela? — ele apontou para a namorada que estava espiando a nossa conversa de canto enquanto respondia alguns e-mails.

— Claro que já tentou, mas o charme é de família e é irresistível — Eduardo passou o braço ao redor do seu cunhado e piscou para mim, dando aquele sorriso arrogante que eu amava ver no seu rosto, porém que naquele momento estava irritando — e o bambu tratado possui propriedades físicas melhores do que...

— Se você falar concreto, eu não garanto que respondo por mim, Senna — Sandro pegou a mão do Edu e a retirou do seu ombro — Ceci, sai do e-mail e vem avaliar a obra, precisamos garantir que está tudo do jeito que você queria antes do pessoal trazer os móveis e eles instalarem os equipamentos.

Cecília elevou os olhos na nossa direção e um sorriso tranquilo se esgueirou por aqueles seus lábios rosa-choque, o que fez com que as três pessoas que estavam olhando para aquela cena tivessem a mesma sensação.

Cuidado, é mentira!Onde histórias criam vida. Descubra agora