Capítulo 62 - Você me beijou ontem?

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Você me beijou ontem?


Eduardo

— Qual a sua Winx preferida? — Leandro perguntou, enquanto rolava os dados em cima de um jogo de tabuleiro que a gente estava jogando há pelo menos vinte minutos e eu ainda não tinha entendido.

Em minha defesa, era sobre um grupo de bruxinhas, mas não as Winx, e era muito complexo. Ele tinha feito toda uma matemática com a quantidade de letras do meu nome completo para chegar no meu número da sorte — oito — e, diferente dos jogos de tabuleiro comuns, não acabava quando você dava a volta completa. Ah, não acabava mesmo, porque eu tentei!

As cartas continham coisas como "conte-nos um segredinho", o que não fazia mesmo o menor sentido, mas foi assim que fiquei sabendo que Leandro separava as meias em três categorias: meias sociais de trabalho, meias de esporte e quentinhas para dormir.

Em certo ponto, eu tive que escolher uma pedra. Uma pedra, dentro das opções que eram quartzo rosa, ametista, topázio, turmalina e ágata. Bom, a ágata (ou a pedra colorida que a representava) Leandro jogou na rua pela sacada que, felizmente, estava aberta ou nós passaríamos aquela noite ouvindo um sermão de Seu Vanderlei por termos quebrado a porta de vidro — nosso síndico com certeza não nos tinha mais no mais alto patamar dos moradores preferidos e nem tentou disfarçar que tinha marcado uma reunião de condomínio para implementar regras mais rígidas na lei do silêncio que a gente tinha desrespeitado. E daquela vez a culpa nem era do secador de Leandro. Era do absinto. E de todas as outras bebidas alcóolicas que a gente tinha em casa.

Acabei ficando com a turmalina depois que Leandro leu o manual do jogo e eu não faço a menor ideia do porquê.

Eu só deixei rolar porque eu sabia que ele estava fazendo aquilo para me distrair, pois eu até podia ter sobrevivido ao primeiro dia depois de tudo o que tinha rolado com Marcela, mas não significa que tenha sido fácil, muitíssimo pelo contrário. Era exatamente como eu tinha dito para Henrique: olhar para ela doía demais, como se alguém estivesse enfiando o dedo dentro de uma ferida aberta sem dar a menor chance para que começasse a se recuperar.

Não olhar para Marcela, por si só, era bem complexo, eis que olhar para ela era meu automático. Quando algo engraçado acontecia, eu olhava em direção à sua mesa esperando pela sua risada; quando alguma coisa caía no chão, eu olhava para lá apenas para ver se estava tudo ok; quando ficava esperando algum arquivo carregar, ao invés de ficar encarando o monitor, eu apenas olhava por cima dele, para vê-la concentrada naquele mundo de engenharia onde ela era a maestrina e ninguém podia questionar sua autoridade.

E, nas raras ocasiões em que eu conseguia não olhar, parecia que a fragrância oficial de todos os lugares da CPN era Good Girl, como se simplesmente não tivesse um jeito de esquecer Marcela Noronha nem por cinco minutos.

Então, sim, eu sobrevivi.

Mas o custo foi alto.

Eu não tinha deixado de amar Marcela, a presença dela ainda fazia meu coração palpitar, meus olhos ainda procuravam por ela em cada canto e, cada vez que a achavam, aquele sentimento no meu peito parecia se expandir, quase como se quisesse ser grande e tátil o suficiente para tocar nela e fazê-la olhar para mim e enxergar que eu... Que eu estava sofrendo pra caralho pela falta dela e não faziam nem 24h.

Só que era hipocrisia, por que fui eu quem coloquei o ponto final, não é?

Na verdade eu nem tinha certeza de quem tinha dito o que.

Aquela briga se passava em flashes estranhos na minha cabeça, quase como a bebedeira da noite anterior. Eu lembrava em partes e não tinha assim tanta certeza que lembrar em detalhes era melhor do que aquela versão distorcida, porque eu não sei se queria realmente lembrar todos os artifícios que eu usei para atacar Marcela ou os que ela tinha usado para me atacar — eu tenho certeza que eu comecei, mas ela não deixou por menos, então eu só fui ficando mais e mais cego de raiva a cada palavra e...

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