Capítulo 1 - A maré não está para peixe

673 44 12
                                    

Frank acordou muito cedo para ver o nascer do Sol e apreciar a calmaria do mar pela manhã. Pôde perceber que os pescadores locais já estavam à procura de seu ganha pão, atravessando o mar celeste com seu barco a remo.

Partiam de um ponto onde um deles ficava na areia, segurando um dos cabos da rede, enquanto outros dois dentro do barco, entravam a cem metros de distância mar adentro, até chegarem em uma área conhecida por eles como "benção de Deus", um local repleto de peixes e outros animais marinhos. Começavam a descrever um arco com o barco lançando e imergindo pouco a pouco a rede na água, até chegar a outro ponto na areia, terminando por sua vez a uma distância de cinquenta metros do local de partida.

Estavam em sete pescadores ou amigos de pescaria, sendo dois no barco enquanto os outros cinco esperavam seus compatriotas voltarem para a areia a fim de puxarem a rede ao mesmo tempo, quatro de um lado e três de outro. Por fim, Frank, franzino de estatura média e corpo magro como o dos pescadores se colocou à disposição para igualar o time nessa empreitada. Havia acabado de se formar no ensino médio e assim esperou iniciar as suas "férias escolares", com novas experiências e muitas aventuras, mas ainda pouco sabia o que os mares estavam lhe reservando.

Um puxão de cá, uma mão cortada de outro e, por fim, a gigantesca rede foi retirada do mar, com centenas de peixes pulando de um lado para o outro para tentar voltar para o mar e se salvarem da ira dos homens, ou então escapar das famintas gaivotas que cercavam a arapuca criada pelos filhos de Deus.

Frank percorreu a rede de uma ponta a outra para conhecer os mais diversos tipos de peixes, questionando a cada pescador o nome da espécie e como se consumia, ouvindo cada história fascinante do povo local, entre piadas e gargalhadas. Até que seus olhos caramelo-claros encontraram algo entre os peixes que lhe chamou a atenção. Parecia ser uma pedra, porém diferente de tudo que havia visto.

O pescador chefe do grupo lhe disse que já era a segunda vez que haviam retirado do mar esse objeto, mas que para nada lhes servia. Quando a pedra tocou a água assim que o pescador a arremessou novamente ao mar, Frank escutou como se uma voz o chamasse dentro de sua cabeça, sentiu a pulsação do coração e sua respiração acelerarem em compassos diferentes, perdendo de uma vez a visão, entrando involuntariamente em um tipo de transe por alguns segundos. Afastou-se do grupo de pescadores que continuavam a pegar seus peixes enroscados na rede sem perceberem que o garoto se pusera a caminhar em passos lentos em direção ao mar até a água chegar à sua cintura.

Viu algo que não sabia identificar, brilhos resplandecentes, sentimento de angústia e euforia e um cheiro que lhe parecia familiar, sim, fazia muito tempo, mas jamais se esqueceria desse aroma. Era o mesmo perfume que seu pai usava no dia em que o viu pela última vez, antes de desaparecer para sempre, há cinco anos. E então se viu novamente à superfície. Nadou alguns metros sem sentir o cansaço natural das braçadas dadas no mar, até chegar na parte bem rasa onde seus joelhos já tocavam as areias finas e abrasivas. Por sorte a pedra parecia estar à sua espera ao lado de algumas conchas. Na época, Frank imaginava ter sido realmente sorte, mas ele não sabia que seu destino havia sido selado naquele momento e nem o que estava à sua espera.

Correu para casa, pegou algumas coisas como lupa, régua, lanterna, alguns cadernos e resolveu analisá-la. A tal rocha misteriosa era extremamente lisa e leve, sendo um pouco mais pesada que um isopor, com formato rústico, arredondado na parte inferior e com um achatamento estranho no topo, de cor clara e com detalhes contornando a pedra em azul celeste vibrante, terminando exatamente na parte achatada.

Ao virá-la, ele viu algumas pintas escuras, porém perfeitamente espaçadas, medindo aproximadamente dois milímetros entre cada pinta, como se alguém as tivesse feito com algum equipamento especial. Iluminou melhor com a lanterna e usou uma lupa para enxergar do que se tratavam essas marcas, porém, ainda assim, não conseguia entender, pois pareciam micro-inscrições talhadas na pedra e que não podiam ser decifradas com apenas uma lupa qualquer.

Frank percebeu que se tratava de algo muito maior do que apenas um mísero pedaço de rocha, portanto, desmontou um binóculo antigo e adaptou-o para criar algo parecido com uma luneta. Enfim enxergou, mas ainda não podia entender o que havia na pedra. De fato, era algo escrito por alguém, pois aumentando o campo de visão consideravelmente, pôde constatar letras muito pequenas que não conseguia identificar.

De onde seria essa relíquia, ou melhor, quem a havia jogado ao mar? Quem tinha esculpido e entalhado as inscrições tão minúsculas em uma pedra? Aliás, aquilo seria uma simples pedra? Tantas perguntas e dúvidas enchiam sua cabeça que, naquele momento, não pensava em outra coisa a não ser descobrir que língua era aquela e o que tinha para ser revelado naquele misterioso objeto encontrado que o havia perseguido na praia.

———————— # # # ————————

A cortina entreaberta do quarto de Barbara acabou com seus planos de ficar até tarde em sua cama. Logo no primeiro dia de suas tão merecidas e esperadas férias. Mas isso não iria irritar a moça, que já havia escolhido dias antes uma lista de filmes e séries para maratonar em sua nova TV, recebida de presente antecipado de seus pais pela formatura escolar.

Eram 9h00 da manhã quando resolveu tirar seu pijama, escovar os dentes e ir à cozinha tomar o café da manhã que Rose, sua mãe, já havia deixado preparado antes de ir trabalhar. Fazia tempo que Barbara não comia o delicioso bolo de frutas tradicional da família Bell, receita essa que vinha de muitas gerações, passadas de mães para filhos e, nesse caso, nora.


O pai da garota, Pedro, trabalhava com contabilidade em uma grande empresa do ramo de importações, e mesmo com a facilidade com números herdada de seu pai, não fez despertar em Barbara o amor pela matemática, física ou engenharia, como era esperado pela sua família. Ela tinha mesmo era uma queda por jornalismo investigativo, seu sonho desde criança, e dizia que um dia iria receber o prêmio Pulitzer (uma espécie de Oscar do Jornalismo, o maior reconhecimento de um jornalista).

Sempre lia livros e histórias de detetives, mistérios, enigmas e aventuras. Ainda não sabia ao certo qual faculdade iria seguir após a formatura, mas imaginava algo próximo a isso. E com todas essas habilidades em se envolver em aventuras e mistérios, não via a hora de começar sua maratona.

Quando estava finalizando o suco de laranja, seu celular vibrou anunciando uma mensagem de Frank, seu melhor amigo desde que se conheceram na escola aos seis anos. Dizia ele que precisava de uma ajuda, estava chegando em sua casa e esperava que a amiga já estivesse acordada. Sem antes conseguir responder à mensagem, a campainha tocou, assustando Barbara, que deixou cair os talheres no chão, fazendo a maior bagunça na cozinha. Enquanto tentava recolher as migalhas do bolo do chão, ouvia desesperadamente o barulho da campainha sendo tocada por seu amigo Frank, que não soltava o dedo do interruptor por nada, fazendo o maior estardalhaço ecoando aquele inconveniente barulho por toda a casa. Se não estivesse acordada por conta da luz em seu quarto, teria agora com o desespero do amigo.

— Barbara, preciso de sua ajuda urgente! — entrou Frank, correndo sem nem ao menos lhe dar um oi.

— Oi, Franklinzinho — disse Barbara, irritando o amigo ao mexer em seus cabelos pretos que viviam bagunçados. — Em que eu posso ser útil dessa vez?

— Preciso que você me ajude a decifrar algumas coisas que estão grafadas nessa pedra que encontrei na praia essa manhã. Tentei com uma luneta improvisada, mas não consegui identificar essas palavras escritas.

Barbara possuía o maior acervo de livros de simbologias e dialetos estrangeiros que Frank conhecia. Mal sabia ela, mas seus planos de férias seriam cancelados logo após a visita do impaciente amigo.

Frank Payne e a Caverna MisteriosaOnde histórias criam vida. Descubra agora