Capítulo XL - Palavras que ferem

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Atualmente

Fredson

Por vezes me esqueço que uma das piores escolhas que o ser humano faz para afogar suas mágoas é o álcool. Durante a ingestão da bebida você acredita estar fazendo a coisa certa até o momento que volta a ficar desperto e entende a merda que acabou de fazer, das consequências nefastas caindo sobre ti após a evasão do relaxamento mental que essa droga te proporciona.

E enquanto dirijo com todo o cuidado do mundo, sentindo os efeitos colaterais da bebida se dissiparem do meu organismo a cada quilômetro que precorre de volta à casa, muito consciente  que ter ingerido aquela garrafa de uísque durante a tarde não foi a melhor ideia para relaxar e enfrentar o dia vinte e seis de Junho pela quinta vez após aquele trágico acidente.
Costumava sentar ao lado de sua lápide, com lírios brancos em no colo e uma garrafa de qualquer bebida do outro lado, depois, seguia ao penhasco onde cometi o erro de ter ido hoje e acabei adormecendo feito um sem teto.

Quando acordei o sol já tinha se posto, busquei meu celular no bolso e constatei que em algum lugar o perdi durante a minha caminhada por Brolway, esquecendo de um ponto importante: hoje não era só um dia melancólico para mim, é também o dia do encerramento do semestre, consequentemente, o dia no qual a minha namorada iria saber se alcançou as nossas expectativas sobre as olimpíadas acadêmicas.

E eu não estou comemorando com ela, mas sim esperando que um carro faça ultrapassagem para que eu vire a direita em meio ao embaço que as gotas de chuva causam no capacete, e chegue por fim ao condomínio onde moro, sentindo a culpa de ter errado com ela uma vez mais por uma mágoa que muito provavelmente seria menor se eu tivesse conseguido me abrir antes acerca tudo o que aconteceu.

Sobre como um caminhão bateu na traseira da minha moto e a fez derrapar com a gente montado nela enquanto seguíamos a estrada para o penhasco. Sobre como a velocidade com a qual eu dirigia me deixou tão assustado a ponto de não conseguir fazer os freios voltarem a funcionar a tempo do embate acontecer e deixar Liz paraplégica. Sobre como um dos dias mais felizes das nossas vidas se tornou o mais infernal de todos, a ponto da minha namorada tirar a própria vida trancada no seu quarto usando um reles estilete um ano depois, na mesma data do ocorrido, o dia vinte e seis de Junho.

Uma vez dentro da garagem eu tento equilibrar a respiração, faço um pequeno exercício de inspirar e expirar assim que tiro o capacete e empurro a minha moto mais para o fundo. A noite está relativamente fria, fazendo parecer que nem uma jaqueta eu visto desde mais cedo. A chuva agora cai com mais intensidade e de tal maneira os trovões continuam acompanhando a péssimo clima de hoje.

Por estar tão gelado aqui dentro não me demoro a entrar no edifício e pegar um dos elevadores vagos. Seleciono o meu andar e com as costas coladas as paredes de alumínio eu jogo a cabeça para trás e fecho os olhos, sem apreciar as gotículas de água que molharam parte do meu cabelo, testa e pescoço. Se peguei o capacete até aqui, devia ao menos tê-lo usado que serviria de alguma coisa.

A cada solavanco da máquina eu conto os minutos para poder chegar ao meu apê e ligar para Milena. Dizer a ela o quanto sinto muito por certamente a ter decepcionado de alguma forma.  E por fim, falar em relação a tudo isso mesmo que a insegurança ainda faça parte de mim. Sei o quanto errei feio por ter feito a promessa de estar  junto dela e sequer ter dado um sinal de vida, e sei que, se ela estiver mesmo brava comigo está no seu direito. Mas mantenho a esperança de ter o seu perdão, mesmo que isso seja um pouco egoísta da minha parte.

O elevador para de subir e em um suspiro eu desencosto da parede e caminho em direção a entrada do meu apartamento, grato que apesar do frio intenso, as paredes estão abafando o som da garoa. O corredor está vazio, num silêncio tão fúnebre capaz de fazer o meu estômago se retorcer. De frente a minha porta tateio o bolso traseiro da minha calça até encontrar a chave de casa, de seguida eu abro passagem e estranho pela sala estar com a temperatura relativamente mais alta que lá fora. Eu tenho vários péssimos hábitos, mas deixar o aquecedor ligado não é algo meu e não me recordo em nenhum momento de tê-lo feito.

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