Capítulo XLIII - Suposta reconciliação

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Era a minha primeira semana de escola do meu décimo segundo aniversário. Ainda estava tentando me adaptar a estar na presença de outras pessoas, e até que já curtia alguns cantos da escola como por exemplo os laboratórios e a biblioteca.

Acho que meu maior motivo de frequentar o estabelecimento eram os livros, descobri que tinha um sentimento positivo por aprender, então, não era um martírio estar em salas de aulas, exceto pelos comportamentos duvidosos de meus colegas.

Naquele dia estava muito frio. E quando fazia frio, minha bexiga parecia encher há cada meio minuto. Então esperei que a cineta tocasse e peguei minha mochila para ir ao banheiro — simplesmente não conseguia confiar em quem quer que fosse naquela sala de aula, embora eu dialogasse com algumas pessoas de maneira fútil.

Me levantei e segui para o banheiro, sem desviar o foco do caminho, excluindo a existência das pessoas ao meu redor até que finalmente avistei o corredor do banheiro feminino e alcancei a maçaneta, escancarando a porta de rompante antes de entrar e no segundo seguinte sentir vontade de voltar para casa.

No entanto, minha primeira ação foi ficar paralisada no mesmo lugar, a porta semi-aberta, minha mão ainda na maçaneta enquanto olhava apavorada para a minha colega das aulas de arte preocupada em lavar o sangue que lhe escorria da mão e ia ralo a baixo na pia do banheiro.

Eu me senti gelar. E a cada segundo ser envolvida pelo sentimento de culpa esmagadora que até então não entendia o porquê da sua existência.

Mas alí estava... Sangue.

Eu detestava muito ver sangue. Me fazia sentir pavor no início, e depois, nada. Me deixava tão desligada e afastada do mundo real de vez em quando, mesmo que não soubesse explicar por que aquela sensação se apossava de mim. Mas naquele momento em especial, me fez surtar, gritar, parecer fora de mim e conforme tudo em volta aparentava estar fora da realidade de um instante para o outro, sentia como se estivesse vendo chamas se alastrarem por um quarto conhecido, o que me causava ainda mais pavor.

De fato estava fora de mim, porque sentia pessoas se aproximarem e tudo que eu fazia era isso, me debater aos toques de alguém e sentir como se fosse morrer naquele exato minuto, tal como foi na primeira vez que vi sangue escorrer por entre as minhas pernas há pouco menos de cinco meses.

Lembro de ter desmaiado até, não sabia se tratar apenas da minha primeira mestruação, a qual a doutora com quem conversava semanalmente tinha falado com mamãe algum dia. Imaginavam que reagiria mal, tal como foi quando entrei em pânico só de ver o dedo de mamãe sangrar uma vez na nossa nova casa. E elas tinham razão, ainda tinha muito que passar até aprender a lidar com sangue sem ter uma crise que ninguém me dizia os motivos de as ter, mas eu fazia uma leve ideia da sua proveniência.”

•••

Uma buzina alta. Esse é o som que me faz frear bruscamente a bicicleta a qual estou pilotando desde o mercado à caminho de casa. Firmo o pé no asfalto conforme tento controlar minha respiração em meio aos xingamentos que recebo do motorista que quase me matava vindo na direção oposta a minha. Sinto um arrepio na espinha, me fazendo estremecer e apertar os olhos tentando não me importar com as palavras feias que acabo de escutar.

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