Capítulo XXXIV - Primeiro encontro

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Milena

"Eu sentia que algo não me deixava ficar contente naquele dia. O que na verdade não era uma novidade tendo em conta o que eu e a mamãe passávamos dentro daquela casa.

Mesmo com ela me arrumando para receber os amigos daquele senhor — coisa na qual eu não acreditava muito, porque olhando os fatos qualquer um perguntaria: quem diabos seria amigo daquela peça? — Então a insatisfação junto de outro sentimento detonador crescia dentro de mim a cada vez que aquela escova alinhava os fios dos meus cabelos de forma metódica.

Eu olhava para a menininha ali no espelho que me encarava de volta com uma cara feia — resultado do sentimento que eu não conseguia mais ocultar —, e logo depois para a senhora que conseguia manter um sorriso que por vezes me desanimava devido ao seu comportamento perante a ele.

Eu espremi os olhos consoante soltava um bufo aborrecido antes de interromper o ato da minha mãe com a sua escova velha e me virar para ela, desanimada.

— Por que temos de fazer as vontades dele? — Eu indaguei pausadamente, cruzando meus braços sobre o peito de maneira emburrada.

Minha mãe também suspirou, deixou a escova em cima da cômoda ao meu lado e se levantou ficando de frente para mim, o olhar tentando esconder as milhares de emoções que ela não queria que eu visse.

Só que por hora aquela atitude já não valia muito. A cada ano que eu crescia tinha aos poucos noção das coisas que nos aconteciam. E de fato que eram todas distorcidas. Erradas de mais para uma criança de nove anos captar.

Sua mão se ergueu até ao meu rosto, deixando uma leve carícia de quem não iria contar o que eu queria saber.

Lena, eu já te falei — ela começou a dizer com calma, fechando e abrindo os olhos de seguida. O peso da mentira a acometendo. Eu só queria que ela parasse com isso. — Ele é seu pai e o marido da mamãe.

Eu neguei com a cabeça em uma atitude de desagrado. Não queria ouvir essas palavras.

Então me afastei um passo para trás abraçando meu próprio corpo de forma defensiva.

Ele não é meu pai. — Eu protestei, firme. Já estava cansada de ouvir minha mãe mentir para si mesma. Começava a me irritar. E eu não gostava de ter sentimentos ruins pela única pessoa que eu amava e que me amava.

Já bastava tudo o que aquele homem causava em mim. E embora eu soubesse que minha mãe só queria me deixar de lado desses problemas, nada poderia mudar que eu estava crescendo de uma maneira muito errada. Que eu já estava corrompida e coisa alguma poderia ser feita naquele ponto.

Milena não diga isso. — ela me repreendeu. — Eu sei que por vezes ele age mal conosco, mas falar essas coisas não vai mudar a realidade.

Eu fiquei inconformada.

Mamãe tinha de parar com isso.

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