Capítulo III - Santa impertinência

110 39 266
                                    

Milena

06:05 AM

É imensurável o ódio que sinto por despertadores, e lamentável o quão necessito deles se desejo acordar cedo. Droga, eu só queria dormir mais alguns minutos quando o desliguei pela primeira vez.

— Ai que droga! — tento chegar ao meu criado-mudo para novamente desligar o barulho irritante. Tenho êxito após quase ter me derrubado no chão. Arrasto meu rosto no travesseiro na expectativa de me livrar do cansaço, mas falho. Continuo consumida por isso. Não devia ter ficado até tão tarde naquela festa.

Estou deitada de barriga para cima, o cobertor tapando meu corpo inteiro a medida que em tom baixo balbucio algumas palavras me martirizando por tamanha preguiça que sinto em plena segunda-feira. O som da porta do banheiro abrindo me faz baixar o lençol até que meu rosto fique visível. É Brenda saindo de lá com uma toalha enrolada em seu corpo húmido pelas gotas de água.

— Oi flor — ela profere sentando em sua cama. — Você dorme que nem um anjinho, tive dó de te acordar. — Brenda exprime removendo a toalha na parte de cima, o tecido cobrindo-lhe apenas a região do quadril.

Por mais que eu queira desviar o olhar, eu não consigo, e nem acredito que ela me dá tanta intimidade ao ponto de me permitir a ver quase despida. Essa garota é tão despreocupada, ou será meio doida mesmo?

Uma de suas características que mais me impressiona é a sua melanina. O sol incidindo sobre sua pele a faz reluzir e é capaz de captar a atenção de qualquer um que a veja desse jeito. Eu nunca tive nada contra meu corpo — tudo bem, algumas partes em particular sim, afinal, quem nunca, não é? —, no entanto olhar para os seios dela me faz questionar se algum dia os meus crescerão tanto assim.

— Bem, eu... você pode sim. Me acordar. — digo um pouco desconcentrada e desvio meu olhar para qualquer outro lugar que não seja seu corpo. Só que ela sabe que eu a encarava.

— Se sente desconfortável? — Brenda indaga em tom cauteloso, seu olhar investigando minhas reações. — Nego lentamente com a cabeça.

Não estou desconfortável, apenas tento assimilar a ideia de que a minha possível amiga é tão descontraída até esse ponto. Já observei colegas de escola despidas no balneário da escola. Era algo que de inicio me incomodava, e que com o tempo me adaptei a ver.

— Não, de jeito nenhum. Mas me avise quando for agir tão natural diante de mim. Assim eu me preparo para encarar seus atos espontâneos. — eu digo precisa, roubando um breve riso da parte dela.

— Certo, prometo que dá próxima vez que eu agir de forma natural você estará preparada para encarar a loucura.

Balanço a cabeça em negação deslizando para fora da cama. Não sei quanto tempo me resta para ficar pronta a horas, mas de uma coisa tenho certeza: não posso me dar o luxo de chegar atrasada logo no primeiro dia.

— Você não me parece tão ansiosa para o seu primeiro ano. — Brenda expõe seu pensamento. Algo que me faz abrir um pequeno sorriso enquanto atravesso a porta do banheiro infestado de vapor de água. Talvez primeiros dias não sejam os meus favoritos.

— Nem você. — É somente o que digo.

— Depois do ano passado, guardo minha euforia inteiramente para a sala de aula.

— Você não é caloura? — questiono surpresa removendo minhas calças de dormir.

— Não — ela responde do outro lado da parede. — Curso segundo ano de medicina psiquiátrica. — Brenda aparece na porta, apoiando suas mãos nos dois lados do batente. Tinha de me sentir desconfortável agora que ela me encara. Toda pronta para começar o dia. Toda pronta para ir embora. Mas não me sinto. E estranho isso. Gosto de Brenda e até meu organismo já reconheceu isso. — Vou em frente. Não se atrase. Ainda tem de ouvir o discurso chato daquele gato.

Quando As Nossas Vozes Ecoam [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora