III. A conversa desastrosa

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#ÉPascal

Segurando o instrumento na mão esquerda, arfo antes de soltar para colocar Judith no lugar onde costuma ficar. O ensaio de hoje rendeu várias peripécias divertidas, como Yoongi ter deixado a baqueta voar na direção das partes inferiores de Taehyung.

Estamos ensaiando no porão do colégio. A casa a qual costumamos ensaiar, entrou em reforma desde o mês passado. Faz exatamente um mês em que aguentamos o cheiro de mofo e os barulhos dos alunos pisando sob a madeira em cima de nós, sem contar as teias de aranha que o local abriga. 

Fico me perguntando se esse nosso esforço nos trará algo bom. Eu amo cantar, tocar guitarra e escrever músicas. Contudo, não vejo o meu talento como uma forma definitiva de sustento, cheguei à conclusão de que não desejo viver da música.

Já os meus amigos querem.

Eles não sabem da UNB¹, não sabem do Coven. Não sabem que, possivelmente, no verão do ano que vem eu não estarei aqui. Conter o segredo me asfixia, me sinto mal por não poder contar. Se eu revelar, os meus planos acabarão afundados.

Minha euforia aumenta conforme reflito sobre essas circunstâncias. Se eu pudesse ao menos dar indícios de que sairia da vida deles, estaria mais calmo. A desculpa de mudar de cidade os deixaria confusos. Jamais contei os descontentamentos que tenho com a cidade. Amo Salém. Amo os túmulos das casas velhas, amo o cheiro de terra molhada e o modo desajeitado das pessoas desconfiarem umas das outras aqui. Amo o som dos passáros cantando na floresta. Torna tudo mais sombrio do que realmente parece.

 Não posso largá-los, porém almejo entrar no Coven.

— Por que está cabisbaixo, Bruxinho? — ouço Rosé indagar no pé do meu ouvido.

 — Não é nada.

Ao responder, visto a minha jaqueta brilhosa, aguardando eles guardarem os instrumentos. Vejo Taehyung beijar o pescoço de Yoongi. Eles estão tendo algo. De alguma forma, são fofos juntos. Experimento uma inveja nunca sentida. Há anos em que não me apaixono, minha última paquera foi embora. Confesso que fiquei triste, mas no final me convenci, de qualquer modo não poderíamos continuar.

Eu vou me tornar um bruxo. 

Caminhamos para fora daquele cubículo. Permaneço fiscalizando todos os cantos do corredor a fim de saciar o meu desejo de ver o garoto zumbi. 

Taehyung lança-me um sorriso de lado, compreendendo os meus próximos atos. Peço mentalmente que pare de vigiar meus pensamentos, semicerrando os lumes em sua direção. Kim não costuma ler os nossos pensamentos, nós o fizemos jurar que nunca os leria caso estivéssemos calmos, sem preocupações. O vampiro agora compreende a minha preocupação, e que nela há também indícios de uma curiosidade íntima. "Tome cuidado, criatura bruxesca", ouço soar no meu consciente. "Não se preocupe, Sanguessuga de quinta categoria. Irei tomar cuidado". Respondo.

Ele dramatiza, pondo o braço esquerdo no coração, dizendo de forma indireta que eu o quebrei. Manuseando o queixo para a biblioteca, flagro Jeon. 

Não é como se ele fosse me matar caso eu decida me aproximar com perguntas, não é? 

 — Vão na frente, preciso entregar um livro na biblioteca — digo, disfarçando. Pelo menos, tentando disfarçar. 

Nova Salém | pjm + jjkOnde histórias criam vida. Descubra agora