XXI. A marca das Trevas

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AVISO: O capítulo conterá cenas sobre o pacto dos bruxos das Trevas – fictício. Se você é sensível à narrativas com violência e sangue, pare imediatamente.

#ÉPascal

Acordar com um cantar de corvos não é tão legal quanto parece. No inferno, diferentemente do mundo mortal, os pássaros são corvos. Eles implicam, batem o bico na janela, e, também, chegam a cantarolar com a voz grossa. Para ser sincero, sou medroso quando o assunto é sobre corvos. Não tive uma boa experiência com o familiar do meu pai, ele era um corvo astuto e brincalhão.

Excelentemente bom em morder dedos.

Espreguiço o corpo, sentindo um alívio por poder acordar. Não que eu esperasse morrer nos primeiros dias, mas acordar já é um começo.

Ao acender a pequena luz e o abajur, me dou conta de que estou sozinho. Jungkook deve ter saído.

Entretanto, como não é do feitio dele me deixar sem explicações, vejo uma bandeja com comida — dessa vez, mortal — em cima do armário de canto. Nela, há um bilhetinho, com uma caligrafia bonita.

"Não se preocupe, é comida mortal.
Cordélia vai te levar ao Coven, estarei tendo uma reunião importante no escritório do palácio. Se você tiver algum problema na iniciação, não se preocupe e me chame.
Eu estou com você.
Coração.
(Não sei desenhar esse símbolo, desculpe).

— De sua propriedade privada, vampiresca e demoníaca, Jei.

Solto um risinho nasalado, pensando no quão Jungkook é adorável por escrever essas coisas. O jeito dele demonstrar o que sente, as palavras dóceis disfarçadas, a preocupação disfarçada, tudo é escondido. E eu amo isso nele.

Por mais que às vezes — a maior parte do tempo — eu precise de palavras carinhosas, ele se esforça para tentar mudar um pouquinho. Nossa briga de ontem mostrou tudo, desde o afeto que ele colocou preparando a surpresa, até o momento que nos deitamos juntos.

Desde o momento em que ele disse, com palavras cruas, que gosta de mim. E ele não só gosta, é nítido que há uma certa dificuldade quando a questão envolve demonstrar os sentimentos. Para ser sincero, não é que não me incomode, mas sinto que agora não é o melhor momento. Afinal, ele deve ter receios. A última vez que o tatuado me disse, que escancarou as vísceras do coração para mim, não terminamos muito bem. Quanto mais penso nisso, mais o sentimento de impotência enche o meu anseio. Se naquela época ele não tivesse dito...

Se não tivesse tido que me amava, talvez não estaríamos aqui. Talvez pudéssemos ter sido felizes, apesar da ocultação dos fatos. Eu deveria ter interrompido Jungkook, deveria ter calado a boca dele e costurado os lábios finos com algum feitiço.

Eu poderia ter evitado minha morte.

Possesso nessas reflexões, tiro um pedaço da panqueca colorida, enfiando-a na minha garganta. Nunca perde o sabor, é deliciosa. Beberico o copo de leite morno, suspirando fundo. Eu gostaria de gastar horas me satisfazendo com essa comida, porque tudo parece tão bom.

Menos os corvos, é claro.

Elevo o edredom, pondo meus pés no assoalho frio. Entretanto, um barulhinho chama a minha atenção.

É o Pascal murmurando.

Desdobro o tecido da cama, localizando o bicho verde de pernas para o ar e costas no colchão. Ele luta para sair da posição que está, mexendo suas pequenas patas como uma presa na armadilha. A barriga dele denuncia o motivo de não conseguir se mexer.

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