XIV. As mentiras vitais

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#ÉPascal

A primeira vez que menti para a minha mãe, eu tinha oito anos. Havia inventado que estava com dor de barriga e, que por isso, não poderia comparecer à escola. É óbvio que mamãe quis me levar para o hospital, mas antes que fizesse, eu coloquei algumas ervas na água quente e tomei. No entanto, no fim da noite, mal pude dormir direito, carregando a culpa no peito. Por mais idiota que tenha parecido, eu ainda tinha mentido. Essa culpa se alastrou por mim quando me aproximei de Jungkook, quando o deixei dormir junto comigo. Quando ele me beijou na luz do luar.

Quando ele me mordeu, semelhantemente. 

O rosto de Arya esboça surpresa ao nos olhar, dando-se conta de que estávamos de mãos dadas antes do tatuado me soltar. Antes de entrarmos e ver um circo montado, cheio de alegorias e acasos. E, um desses acasos, são os mirantes da rainha estudando cada passo de Jei, igual a uma superiora. A atração começa a piorar à medida em que ela levanta-se da cadeira de madeira, vindo em nossa direção.

Prendo todo o ar, mordendo o lábio inferior, os vendo em câmera lenta. 

Observo que Lilith estende a palma direita. 

Observo Jungkook tocá-la. 

Os mesmos lábios que beijaram-me, que fizeram o meu pescoço sangrar. Os mesmos lábios que eu demorei quase uma eternidade para desfrutar deles, estão beijando as costas da mão dela.

Príncipe? Desde quando ele faz parte da realeza? Desde quando ele demonstra devoção à entidades que sequer acredita? 

Desde quando ele acredita no inferno?

Estou tão furioso, que a mulher chega a sentir perto de si. Meus pêlos estão arrepiados, minhas entranhas esmagadas. Me sinto um burro por ter acreditado nele, e aumenta ao ter seus orbes fitando-me pelo soslaio. Beirando uma síncope, toda a minha admiração por Lilith parece se dissipar do meu físico. Eu não a reverencio, muito menos esboço um sorriso no rosto. Me mantenho parado, esperando tudo começar a inflamar.

— E olha só, veio com companhia — a mulher refere-se a mim, girando os saltos, a fim de ver a minha face. — Está diferente da última vez que nos vimos, querido — diz, expondo um sorriso branco.

Sua mão direita toca os meus fios, os afagando. Talvez ela goste que eu mostre fragilidade, porque é o que demonstro no mesmo instante em que ela decide encostar em mim. E, a julgar pelos olhos verdes dela, deve estar nas nuvens enquanto acaricia um súdito medroso. 

Mas não é o que eu sou. 

Tudo que disseram a respeito dela, não parece ser real. Ela não tem uma postura a zelar, e fica claro quando seus gestos são maliciosos. Claro que nenhum demônio seria bom. Eu jamais esperaria isso de algum deles. No entanto, espanta-me observá-la tão entretida no meu cabelo. O mesmo cabelo que meses atrás eu descobri que continha uma certa peculiaridade, além de ter feito algo similar no nosso primeiro encontro. 

Não sinto uma aura boa. Não ao ter meus olhos aclamados por um Jungkook embaraçado, desejando negar o quanto antes a afirmação acusatória.

— Não estávamos juntos — ele fala antes de eu dizer algo. — Ouvi rumores de que estaria aqui, por isso vim à casa dos Park. 

Ela afirma, duvidosa, mas sem esconder o sorriso. 

— Ora essa, não me diga que está buscando formas de redimir os estragos do seu pai, Alteza — enfatiza a posição de Jei.

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