XX. O pacto de almas

17.7K 1.5K 2.9K
                                    

#ÉPascal

A confusão instaurada no ambiente transforma meu interior inquieto em tenso. Jei não move um músculo para retirá-los da posição que estão, mas o veterano inclina a cabeça para baixo, admitindo a própria derrota. Os dentes afiados do tatuado são visíveis até mesmo para as pessoas de longe, o que transmite uma lição clara de que ninguém pode desrespeitar Jungkook. E, preso nesse lampejo de glória dele, visualizo um pouco da sua fúria. Essa reação exagerada dele possui fatores profundos, como a intenção do bruxo dizer aos demais que sou insignificante.

Ele insinuou que sou insignificante para o cargo e, também, desde o primeiro momento caçoou da minha origem. Eu não sou puro cem por cento, mas boa parte do meu sangue é bruxesco.

Reparando por outra perspectiva, Seokjin chegou a ser desrespeitoso comigo. Eu sequer pude notar, de tão despretensioso que sou. Agarrei-me apenas na questão dele não ir com a minha cara.

Mas a verdade é que o veterano não admitiria um Sacerdote das trevas mestiço. A nitidez do seu pensamento transpassa por mim, especialmente quando Jungkook o solta, tomando consciência da reação agressiva que teve, retornando ao centro da mesa. Seokjin volta ao seu lugar, coçando a garganta.

Até que seus lumes param no meu rosto.

— Desculpe-me pelo modo que o tratei — fala calmo, ajeitando os óculos redondos na ponta do nariz. — Daqui a dois dias suas aulas vão começar e eu serei um dos seus professores.

Isso não é novidade. Estamos nessa mísera reunião por isso.

Me intriga a rápida mudança de comportamento, logo depois de Jungkook o enforcar. Acho que as mãos dele deixam qualquer um desequilibrado.

Pensar nisso faz com que eu solte um risinho idiota e medíocre — eu não posso fazer isso nesse momento, mas parece que o efeito do alcool dribla meus conceitos morais e éticos. Numa resposta singela, aterrisso o meu rosto, gargalhando mais forte.

Eu preciso parar com isso.

Mas por Lilith, não consigo desconsiderar o fato de Jei ser um mestre do enforcamento. Dele ter a magia enforcática.

De repente, cobiço experimentar o mesmo que o veterano experimentou. Ser atirado com força na parede e ter o pescoço pego por um homem — delicioso, saboroso, apetitoso e todos adjetivos derivados de lascívia —, durante o átimo que os tímpanos são preenchidos por um som roufenho e delinquente que é a voz de Jungkook.

Minha mente balança, e eu retiro o rosto das mãos, e provavelmente alguma fumaça deve estar saindo de mim. Me sinto muito quente.

E ao parar os lumes no tatuado, percebo que, embora tenha uma expressão confusa, há a omissão de seu rosto perverso. A linha da sua boca cresce, e ele sorri, minimamente, para mim.

Ele está bravo comigo, mas não evita de ser um canalha observador de pensamentos.

Seus braços se cruzam e posso jurar escutá-lo dizendo: "Eu ouço pensamentos, não leio ou vejo um cenário que essa sua mente libidinosa cria, Petasum".

Retiro a minha franja do olho, notando o aguardo da minha resposta. Mas eu não ligo para responder o veterano, estou muito ocupado com os olhos nele.

No meu Jungkook.

No seu nariz arrebitado, o canto da boca se movendo em passes mínimos para que ninguém desconfie do nosso olhar. Para que ninguém desconfie que, nesse momento, nossas almas transam por telepatia.

Para não desconfiarem que sou dele, e ele, meu.

Para não constar a veracidade de Bukowski ao dizer que olhos podem transar, porque é assustador e pavoroso. Quando tive isso na primeira vez, não fiquei tão assustado como estou. Eu não nutria o medo de perdê-lo como nutro agora.

Nova Salém | pjm + jjkOnde histórias criam vida. Descubra agora