IV - NAYA

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Pude sentir que o Heitor ficava menos estressado quando tomava algumas decisões, como a do enfermeiro para auxiliá-lo. Não entendi muito bem porque o antigo enfermeiro mal tinha posto os pés dentro da minha casa e já havia sido demitido.

Pareceu cisma do Heitor, mas se é para cuidar dele acho justo que ele mesmo escolha quem o faça se sentir bem.

Por fim, das várias entrevistas que ele fez durante o dia, decidiu contratar o Elder. Também gostei dele, muito simpático.

A Júlia veio aqui em casa um dia desses e quase não ia embora mais. Isso quer dizer que a minha querida irmã, vinha com mais frequência me visitar agora.

Mas não era por mim ultimamente. Ela dava em cima dos dois.

Conforme a fisioterapia progredia, o Heitor já dava pequenos sinais de melhora, pelo menos no humor já era uma vitória. Ele estava mais disposto também.

Parou menos de reclamar de tudo e focou apenas na sua recuperação. Até o seu olhar de insatisfação deu uma trégua e por algumas vezes o peguei sorrindo com cada passo vencido em sua recuperação.

O Daren aparecia e tentava se aproximar dele, mas notava que sempre saia triste. Apesar do Heitor não dar brecha ao pai, o Daren sempre voltava com mais determinação em conquistar o filho.

Ainda é um mistério a mágoa do Heitor. Via o seu prazer em desprezar e escorraçar o pai. Mas se o Daren negligenciou tanto tempo o filho, fingindo que ele não existia, se ele realmente queria reparar isso, o único caminho era paciência e amor.

Enquanto o Daren tentava uma redenção, o João Emanuel era incapaz de ligar para saber do irmão. Às vezes penso que ele não é humano, nem finge que se importa com o Heitor.

Sempre as mesmas desculpas... Ocupado demais, estudando demais, livros demais.

Se eu não ligasse até mesmo pra saber como ele estava, não tinha notícias suas. Eram as mesmas desculpas de sempre, isso já matava aos poucos o meu amor por ele. O que não é cuidado acaba. Nada é eterno.

Tudo que estava acontecendo agora me fez repensar, e um dos pontos que mais martelavam na minha cabeça era o meu noivado com o João Emanuel.

Acho que precisávamos de um tempo. Eu andava confusa, ele estava longe e pouco se importava comigo. Ignorei muito tempo o que ia mal entre nós. Pensar nele hoje não dá saudades, quase não sinto nada.

Não digo sobre o fato de ter pedido para cuidar do irmão, não é isso, é o fato de não se importar comigo, com a gente.

O que aconteceu foi o desgaste, não dá apenas pra um querer, um fazer dá certo. O nosso noivado parecia um grande enfeite na minha vida. Estava ali, mas não servia para nada.

Sentia vontade de ver o progresso dele. A minha curiosidade era maior e não me contive, o Heitor tinha aceitado sair um pouco de casa e pegar um pouco de ar fresco e sol. O Elder estava com ele, eles conversavam e isso era muito bom. O Heitor é muito fechado, fala realmente só o necessário.

— Oi, rapazes. — me aproximei com a bandeja e ofereci suco aos dois. Eles pegaram e me agradeceram.

— Daqui a pouco é melhor você entrar, o dia hoje está muito quente.

Eu falei e notei o calor que fazia ali fora.

— Tem razão. — o Elder falou e ainda elogiou o suco.

— Vamos entrar.

Eu e o Elder vínhamos atrás dele. Aproveitei para conversar um pouco com ele.

— Ele está melhorando, não é?

Ele sorriu e balançou a cabeça.

— Está. Ele é muito forte e tem muita força de vontade. Nunca vi um paciente como ele.

Eu fiquei feliz em ouvir isso. O Heitor merecia ficar bem, ele é um bom homem.

Quando entramos em casa o Daren estava na minha sala nos esperando.

— Bom dia.

Me abraçou e quando foi tentar falar com o Heitor, ele virou as costas e saiu. Deixou o pai sem graça. O Daren teria que provar o seu amor agora.

— Esse é o Elder, o enfermeiro que cuida dele.

Apresentei rápido pra cortar o clima que ficou. O Daren pediu pra falar com ele e os deixei na sala, ele queria saber o quadro do filho.

— Fiquem a vontade.

Fui direto para o quarto do Heitor.

Bati na porta e assim que ele me permitiu, entrei.

— O seu pai ainda está lá embaixo.

Falei na tentativa dele pensar melhor e reconsiderar falar com o pai.

— Ele nem deveria ter vindo.

Continuou de costas pra mim.

— O Daren só veio por pena. Ele nunca foi capaz de me amar. É um péssimo pai. Nem disso ele pode ser chamado.

Parei perto dele e coloquei as minhas mãos em seus ombros. O Heitor jogou a cabeça pra trás e apoiou na minha barriga.

— Mas agora ele está aqui por você. Ele te ama. Quer aproveitar o tempo que tem com você. Não negue isso a ele, Heitor. Não pague na mesma moeda, tenta perdoá-lo.

Podia ouvir a respiração funda dele. O Heitor limpou umas lágrimas e deixei um beijo na sua testa.

No fundo, ele é um homem grande que apenas tem medo e precisa de colo e carinho. Nem posso imaginar o que ele passou sozinho.

— Não consigo. Acho que não sei perdoá-lo na mesma dimensão que não sei amar.

Depois que ouvi isso foi um baque no meu coração. O abracei bem apertado. Era tudo que eu podia fazer por ele agora.

— Você consegue. Mas precisa tentar.

SE ALIANDO AO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora