diario de james: que eu vejo

8 1 5
                                    


April terminou o livro e intendeu como todos entendem. Que o surdo ficara triste por estar surdo. Eu sei que pode ser o nosso primeiro pensamento, ele realmente não esclarece ao pormenor os seus sentimentos. Porém é essa a intenção. Temos de analisar os seus passos e entendê-lo, da mesma forma que fazemos com as pessoas ao nosso redor sem lhes perguntar. Talvez só as pessoas tristes percebem. Sentem-se relacionadas.
Todavia, tenho esta esperança que ela um dia vai perceber o quanto eu e o protagonista somos iguais. Um dia ela verá o que eu vejo.
Outro assunto...
Já deve ser a décima vez que evito partilhar refeições com ela. Não consigo ocupar a minha barriga com aqueles imensos pratos de três em três horas. No entanto, não lhe posso falar isso, irá pensar que sofro de anorexia por evitar a comida. Não quero lhe preocupar, ainda por cima sobre algo que não tenho. Então, invento desculpas estúpidas como: as minhas plantas vão sentir saudades; coitado do Ginger que deve estar à minha espera.
É ridículo.

                        ★     ★     ★

Ela viu o que eu vejo.
Hoje fomos ao teatro assistir à peça da Sofia, uma amiga de April. É bastante amável, não evitou-me mas também nunca puxou muito assunto, apenas conversamos poucas palavras mas as suficientes. Continuando... Achei o conceito da peça interessante e por mais que queira estar isolado do mundo, como o tal protagonista do livro, quero estar presente na vida de April e para isso tenho de abrir exceções, decidi então começar por esta. Fui e correu bem. Mais ou menos bem.
Já te escrevi antes sobre o quanto era desagradável ver aqueles olhares sobre os meus ombros, imagino que devem sentir essa pressão num palco. Mas hoje, apesar de eles me serem invisíveis, para April era algo novo. Digo mais uma vez. Ela viu o que eu vejo. Uma parte de mim. A pressão, a razão de me esconder.
Porém, quando me aconteceu pela primeira vez, eu afastei-me, acostumei-me. Já April, protestou e defendeu-me. Devias ter a visto defender-me de unhas e dentes, parecia um ursinho carinhoso de sobrancelhas erguidas.
Brincadeiras à parte. Senti-me estranho de início, porque ela sentiu na pele o que eu vivia nesta cidade, e a sua reação foi diferente. E agora que reflito, é por pessoas como ela que o mundo anda, se todos fossem guardados e isolados como eu, acho que todos sustínhamos de conversas e o mundo parava. Ficava burro talvez.
Somos tão diferentes. E eu aprecio tanto as suas diferenças.

amor nos campos de trigo Onde histórias criam vida. Descubra agora