versão de april: as nossas desilusões

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Estacionei o carro no parque perto da loja onde trabalho. Olhei para o fundo e pude ver o Arthur, o senhor que vende plantas e flores numa loja ali perto. Tinha grandes barbas, mas não tão grandes quanto as dos feiticeiros velhos de todas as histórias de magia. Vestia-se sempre da mesma forma, calças de ganga e um grande camiseiro xadrez, normalmente nos tons azuis, verdes e cinzentos. Andava mancado fazia alguns anos, após ter sofrido um acidente de carro. Quando olham com pena, ele faz uma piada sobre o assunto, como por exemplo, se fazer de pirata. Já havia falado com ele quando fui lá comprar algumas plantas, pois houve uma altura que a minha mãe teve um esgotamento nervoso por causa de perder o trabalho, e as plantas ajudavam ela a se acalmar e a entretê-la durante o dia. A casa ficou rodeada de plantas naquela altura, tal como a cozinha de James, mas agora elas estão todas no jardim e ela está melhor porque tem outro trabalho que a faz mais satisfeita. Arthur foi sempre simpático para comigo, mas nunca despertou uma amizade. Sei pouco sobre ele e ele de mim, as nossas conversas não era nada mais do que: Que plantas irei escolher?

Tirei a chave da ignição mas continuei no carro. Parece que foi ontem que estava sentada na cafetaria à espera de um café, porque ia ter de ver moradias e o meu corpo estava ensonado por conta da noite de jogos do dia anterior. Recordo de falar que conhecia todos desta cidade. Lá eu sabia a grande mentira que estava a contar. É verdade que já vi o Arthur e já lhe falei, mas não o conheço. E o teatro? Nem sabia que Sofia estava cá e muito menos que faziam teatro ali, pensava que era um antigo salão que não se usava mais. Pois a cidade não é propriamente uma mina de dinheiro, apesar de até já ter sido no passado, agora temos poucas pessoas e nunca pensei que teriam dinheiro suficiente para sustentar aquilo. Nem conhecia James ou seus pais. Não conhecia nada dos meus vizinhos, até os seus nomes já esqueci. Estava perdida na lua, ou pensava que sabia o dicionário todo sem lhe ter tocado uma única vez?!

Saí do carro e abri a porta da loja, onde depois pus o papel a dizer: Aberto. Sentei-me na cadeira atrás do balcão e apoiei a minha cabeça sobre ambas as mãos.

Lembro em pequena de andar de mãos dadas à minha mãe e a Simon, enquanto o mesmo estava de mãos dadas ao meu pai. Andávamos pela rua todos os fins de semana, e quando nos cruzávamos com alguém, meus pais não acenavam apenas, tinham uma rápida conversa, com todos, todos que se cruzavam. Na minha visão, todos nos eram família, e pensei conhecer essa tal família, mas não conhecia. Eu era a rapariga que andava nos corredores da escola com uma caneta a rabiscar o meu caderno. Eu era a rapariga que passava pelas pessoas e no máximo sorria por questão de educação. Era a rapariga que não falava com ninguém, mas que imaginava ser faladora. Criei uma versão de mim que nunca existiu e vivi na minha  própria ilusão. Além de não ter amigos, não conhecia ninguém, e ninguém me conhecia.

Ouvi o sino da porta e despertei-me dos meus pensamentos. Uma senhora que nunca tinha visto entrou pela loja e deslocou-se logo à montra de CDS. Tinha cabelos tão compridos que quase lhe chegavam à bacia. Vestia roupas elegantes e olhava para a secção de rock. Detesto julgar pessoas, mas neste momento estou a pensar que ela não gosta de rock e deve estar a escolher para outra pessoa.

-Bom dia – saí de trás do balcão e aproximei-me um pouco dela – a senhora precisa de alguma ajuda?

-Na verdade sim, queria dar um presente ao meu namorado e ele gosta de rock. Porém, não entendo nada disto – riu envergonhada.

-Lembra-se de alguma música ou o nome da banda que ele gosta? – perguntei para facilitar a procura.

-Com nomes só péssima, admito. Mas se não estou em erro, ele tem um cd com uma imagem branca de fundo e várias silhuetas de pessoas.

Pus-me a pensar – Linkin Park?

-Sim! Isso! – disse ela animada.

Revirei alguns CDS e tirei um com a imagem de algumas pessoas na água durante o pôr do sol – este é o último álbum publicado por eles, talvez ele ainda não o tenha – mostrei-lhe.

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