diário de april: magoar-me

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Daniel aproximou-se da mesa junta às janelas onde eu estava sentada na companhia de Simon. Pousou duas canecas, uma com chá e outra com café. É escusado dizer que o café é do meu irmão.
-Bom proveito – Daniel passou a mão no cabelo de Simon e afastou-se para servir outros clientes.
Ele respondeu com um sorriso e depois olhou-me.
-Diz-me as tuas preocupações, April.
-Preocupações? – perguntei.
-Vamos saltar a parte que explico-te que sou o teu irmão e percebo quando não estás bem, pode ser?
Eu sou a alma positiva da minha família, portanto é incomum ver-me noutro estado. Admito que seja transparente nos meus sentimentos, mas não pensei que fosse assim tão visível.
Senti uma dor inusitada no peito. Inspirei fundo para que passa-se. Seguidamente dei um gole no chá. Estava na temperatura perfeita.
-É sobre o James – falei o seu nome quase em forma de sussurro.
-O que aconteceu? – perguntou de sorriso baixo.
-Acho que ele já não gosta de mim.
-Porque dirias isso?
-Está muito quieto...
-Isso não faz parte da sua personalidade?
-Ele já não me toca.
Simon pareceu ficar com um olhar mais preocupado.
-Ele não beija-me, não me abraça. Pensei que fosse algo do momento, mas foi-se alastrando... eu perdi coragem de me aproximar com medo dele rejeitar-me.
-Ele pode ter outras razões – disse Simon pensativo.
-Já lhe perguntei tanta vez se estava bem e não cedeu nenhuma vez. De certeza que tem haver comigo. Fartou-se.
-Isso não pode acontecer.
-Claro que pode – aumentei a voz involuntariamente – pessoas se apaixonam da mesma maneira que deixam de amar. Rapidamente e intensamente.
Simon suspirou.
-Não quero dar-te o conselho errado, por isso direi o que todos dizem: Fala com ele. É a única maneira de entender as coisas.
-Eu sei, eu sei. No entanto, eu respeito o seu tempo, James deveria falar quando se sentir pronto. Garanto-te que está a aguentar-se.
Simon fechou as mãos num punho e posou a sua cabeça.
-Isso é muito querido April, mas vale apena esperares tanto tempo por uma resposta que pode não vir a ser do teu agrado?
-Sim...
Não queria forçar James. Não queria.
-April, pensa em ti! Se ele realmente não sentir nada por ti antes dizê-lo agora do que mais tarde. Não quero que arrastes esse sentimento. Sei que te importas muito com o conforto de todos, mas não esqueças do teu. És tu que estás mal nesta situação.
-Não estou mal. Só estou pensativa – afirmei.
-A ideia de ele não te amar não deixa-te triste?
Fiquei em silêncio.
-Então, fala com ele – insistiu.
-Não é fácil. Não o quero magoar.
-Ele não parece se importar de estar-te a magoar.
Ergui as sobrancelhas.
-James não me faria isso.
-Parece-me que sim.
Levantei-me irritada, já sentia as lágrimas a quererem se libertar dos meus olhos.
Sabia que James tinha dificuldade a falar do que sentia, e se não o fez era porque não iria conseguir. Seja isso sobre o fim de um relacionamento ou não. Não faz qualquer sentido que ele esteja a fazer isso para magoar-me.
-April, desculpa – deu-me a mão.
Sentei-me.
-Eu não digo isto com más intenções, eu não conheço o James... estou apenas a ponderar uma das possíveis hipóteses.
Não olhei para Simon e passei a manga do meu casaco sobre o rosto.
-Desculpa – repetiu.
-Não faz mal.
Ficámos em silêncio.
-Seja o que for que James esteja a passar, pelo menos tenta garantir se é sobre ele ou sobre ti. Porque não faz-te bem aguentares esse mistério, está claramente a torturar-te – suspirou – se for algo que apenas compete a ele, podes dar-lhe o espaço que precisa. Mas se não for, tens de te impôr, quer o magoes quer não. Prometes-me isso?
Tentei mostrar um sorriso.
-Prometo.

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Estava a organizar os discos da loja até que umas pessoas importantes aparecerem.
-Pai, mãe, o que fazem aqui?
Não costumam passar na loja, não são propriamente fãs de música.
-Ver-te, é claro – Emily sorriu-me.
-E outras coisas também – disse Michael sorridente.
-Música? – perguntei desconfiada.
-Não – ele riu-se e a minha mãe bateu-lhe no ombro.
-Aproveitamos que estávamos de passagem para te fazer um pedido. Quer dizer, um convite.
Cruzei os braços.
-Que convite? – perguntei curiosa.
-Bem, sabemos que estás a namorar há algum tempo e da mesma maneira que convidamos o Daniel para jantar queremos convidar o James.
Sorriu-me. Eu tentei fazer o mesmo.
-Bem... – comecei por dizer.
-Não te preocupes que não é nada de especial, não queremos pôr ninguém desconfortável – informou o meu pai.
-Eu sei disso – suspirei sorridente – eu vou falar com ele.
-Isso deixa-me feliz – afirmou Emily.
-Sim, estamos ansiosos para o conhecer. Só ouvimos coisas dele – Emily encarou-o – coisas boas, obviamente.
-Tenho a certeza – afirmei.
-Bem, nós vamos andado então – disse a minha mãe por fim – temos compras do mês por fazer.
-Vemo-nos no fim de semana April – meu pai acenou-me.
Ambos saíram da loja de braço dado. Pareciam satisfeitos e isso deixou-me feliz.
Comecei a perceber que sentia um cansaço a fluir-me pelo corpo. Sentei-me no meu banco e relaxei as costas.
Respirei fundo.
-Espero que as coisas corram bem – disse para mim.

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