CAPÍTULO 58

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Calisto dirigia-se a seus aposentos e sua mente pulsava com idéias. Estava se enterrando profundamente no mundo político. Intrigas, cinismo e disputa pelo poder. Crescera sob a doutrina rígida o ente, Thoudervon, e talvez como conseqüência disto, apesar do momento tenso que acabava de atravessar, tinha convicção de que tudo não passava de um jogo. E neste jogo, tinha tudo para tornar-se o grande vencedor. Mas ainda, algo o incomodava. Em seus mergulhos de raciocínio lógico e político, não conseguia enxergar certos fatores. Havia um movimento grande que causou grandes mudanças no reino de Lacoresh. De certo, isso teria de partir de uma forte ideologia, um forte objetivo. Havia um grande objetivo em comum, partilhado por Thoudervon, Weiss e até Maurícuis. De outra forma, não se aturariam. Até então, Calisto falhara em descobrir quais eram os reais objetivos que motivavam os atuais soberanos de Lacoresh. De certo, tratava-se de uma conquista de poder a nível mundial. Tudo indicava esta possibilidade, porém, faltava alguma peça, algum elemento para que tudo fizesse sentido. Por outro lado, haveria muito tempo para investigar e descobrir mais detalhes sobre o assunto. Por hora, o mais importante era cuidar das intrigas momentâneas e traçar estratégias de fortalecimento de seu baronato.

Seus pensamentos foram interrompidos e ficou surpreso ao perceber que alguém lhe aguardava na entrada se seus aposentos. Era uma figura misteriosa envolta em um manto escuro e com a face acobertada por um capuz. Um espião? Um assassino? Tinha um pacote na mão, o que seria?

Aproximou-se calado e desconfiado procurando sondar os pensamentos da figura que estava na penumbra. E então soube, tratava-se da Rainha.

– Majestade, o que faz aqui em uma hora destas? – sussurrou Calisto.

A voz da Rainha veio contida. – Senhor, como pode me reconhecer?

Calisto mentiu, – Olfato Majestade. – e aproximou-se. – Não respondeu à minha pergunta Alteza.

– Não pude resistir. Vim trazer-lhe um presente, pessoalmente. – sinalizou mostrando o pacote.

Calisto abriu a porta e disse, – Pois vamos entrar, se fossemos vistos juntos em uma hora destas...

– Sim.

A Rainha entregou a caixa a Calisto livrando as mãos para remover o capuz de sua cabeça. Os belos olhos escuros da jovem Rainha encontraram-se com os olhos mais escuros e enigmáticos de Calisto. O jovem observou-lhe a face alva e seus traços delicados. A situação trazia algum incômodo. Gostaria de livrar-se da presença dela o quanto antes.

Calisto sentindo o peso da caixa perguntou, – O que é?

– Livros. A coleção completa de E. Alembrel. – anunciou a Rainha a sorrir.

– Alembrel, não é mesmo? – Calisto abriu a caixa e sentiu o cheiro de tinta fresca. Havia sete livros no pacote, que era bastante pesado. Sobre eles havia um papel marcado, com uma escrita que não pode identificar na penumbra. Caminhou até a escrivaninha e aproximou o bilhete da chama de uma vela. Espantou-se ao reconhecer a própria caligrafia no mesmo. Logo abaixo de sua própria mensagem, havia algo escrito com letras delicadas: “Opor o amor? Será que sou capaz de amar?” Franziu as sobrancelhas sentindo uma pontada desagradável na boca do estômago. Imaginou, “Por Thoudervon! O que é isso?”

A Rainha, ansiosa sussurrou, – Decifrei seu código. Milagres acontecem meu estimado Calisto. Sim, eu sei que você pode amar. Basta que você me dê uma chance.

Calisto estava confuso e percebeu que havia marcas em seu texto original. Diversas letras sublinhadas: “Obrigado pelo ótimo romance. Objetivo. Aprisionou minh’alma. Obra rara? Senti estímulos reais. Antes que uma estrela surgisse, ocorreu-me uma coisa assustadora: Percebi as zombarias de E. Alembrel. Milagres acontecem Rainha?

As iniciais formavam aqueles questionamentos absurdos: “Opor o amor? Será que sou capaz de amar?” Uma estranha coincidência? Uma obra de sua mente adormecida? Um desejo secreto?

Perplexo, sentiu os pelos de sua nuca se arrepiando pelo toque das mãos da Rainha que se aproximou sem que percebesse. Via seu plano desmoronar. Fora pego de surpresa. Por um momento, não pode erguer a concentração necessária para colocar seu plano em prática. Planejava agir sobre a mente da Rainha, dando-lhe a impressão de que teriam se tocado e se amado. Porém, sentia o toque das mãos da jovem monarca contra as suas. Quando seus olhares se trocaram, suas respirações ficaram aceleradas. Havia um envolvimento que ia além de toda a frieza, crueldade e preparação que Calisto possuía. Estava desarmado pelo toque de Alena. Nem mesmo cogitou resistência, como fizera anteriormente com Hana. Em seguida, o toque de seus lábios selou uma linha de destino perigosa, especialmente para Calisto que almejava tanto. O envolvimento com a Rainha era alta traição. E naquela noite, a primeira de Calisto como Barão do Reino de Lacoresh, consumava-se contra sua vontade racional, alta traição.

***

Sob diversos aspectos, traições ocorriam através de todo o Reino de Lacoresh. As teias de intrigas tecidas objetivando o poder eram inúmeras. Serin, um dos sete membros do conselho macabro que governava os destinos dos cidadãos do reino, respirava o ar gelado e sangrento da madrugada de Liont. De certa forma, ainda podia sentir o cheiro do sangue do Barão Ludwig, derramado pelos rebeldes favorecendo o jovem e imprevisível Calisto. Serin gozava de grande prazer sádico enquanto seus planos eram formulados em sua mente consumida pelas forças das trevas.

Ele sorriu prazerosamente ao perceber a aproximação de seu servo e ancestral, o Barão Dagon.

A criatura do além se aproximou, montado em seu gigantesco corcel de carne animada. Dagon anunciou em tom monótono e horripilante, – Meu Príncipe, respondo a seu chamado.

– É claro Dagon, é claro.

Dagon ficou em silêncio e imobilidade típicas de um morto-vivo.

– Escute meu servo, tenho uma tarefa para você.

O monstro assentiu. – Sim, meu príncipe.

– Desejo obter o corpo do jovem Adam Fannel.

– Sim, diga onde achá-lo e será seu.

– Isto fará parte de sua tarefa, meu querido servo.

Dagon ficou imóvel e silencioso novamente, como se estivesse realmente morto.

– Claro, use isto. – Serin estendeu o braço esquerdo. Em sua mão havia um broche trabalhado com motivos macabros. – Com este artefato, ficarão à sua disposição três espíritos das trevas. Use seu auxílio para encontrá-lo. Adam era meu discípulo e desejo recuperá-lo, as sombras o conheciam bem.

– Muito bem, se isso é tudo, aceito a tarefa.

– Sim, é claro que aceita. Apesar de não crer na possibilidade, ele poderia estar vivo, neste caso, se possível, traga-o vivo.

– Sim.

– Mais uma coisa. É certo que terá de enfrentar alguns rebeldes. Para tal, procure extrair do Barão Calisto alguma ajuda e lembre-se de não revelar a ele sua missão. Construa algum preceito e faça-o acreditar que se trata de uma simples caçada a rebeldes. Sei que o jovem Barão adora caçar rebeldes.

– Compreendo.

– Sim, é claro que compreende. É mesmo um servo forte e valioso. Minha obra prima.

Dagon mais uma vez voltou à sua pose de estátua. Serin apontou para a lua que dava forças ao morto e disse: – Vá meu servo. E quando tiver notícias mande-me uma das sombras.

Maré VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora