CAPÍTULO 76

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A viagem fora tortuosa e desagradável. Pesadelos todas as noites e a sensação de que estavam caminhando para uma armadilha. Vekkardi conhecia bem a fortaleza de Arávner e já estavam muito próximos. Havia um conjunto de cavernas vazias nas quais entraram para passar a noite. Dagon ficara no exterior, sempre alerta, enquanto os demais procuravam dormir e recuperar as forças.

Calisto suava enquanto seu pesadelo se repetia. Sonhava com seu amor, a rainha Alena. A mulher que desejava e que imaginava que tomaria como esposa quando o reino de Lacoresh estivesse a seus pés. Lá estava ela, vestida de branco, com um véu sob o rosto, deitada na cama, imóvel. Calisto se aproximava e ao remover o véu, percebia com horror que a pele de sua amada estava pálida. Apesar de sua beleza estar intacta, ao tocá-la sentia a carne fria e sem vida causando-lhe arrepios. Subitamente, ela agarrava-lhe o pulso com violência. Seus olhos, se abriam, negros como os seus, totalmente negros. O seu próprio horror refletido nos olhos de sua amada. Sua mão forte demais para seu corpo delicado, não deixava-no escapar. A transfigurada Alena, atirava-o para baixo de si, dominando-o com facilidade. Suas unhas eram negras e pontiagudas e cavavam seu peito em busca de seu coração. A dor era insuportável. Sem conseguir reagir, Calisto não tinha opção senão assistir o horror que era sua amada devorar-lhe o coração.

Elser e Vekkardi haviam sido acordados pela agitação de Calisto. Quando ele se deu por si, ambos encaravam-no um pouco apreensivos.

Calisto limpou o rosto e sentiu os cabelos encharcados de suor. – Droga! Vamos desistir.

Vekkardi franziu o cenho e disse, – Depois de toda essa viagem. Agora que estamos tão próximos?

Tomado por uma nova consciência de sua vida e do que era importante, Calisto tremia. – Preciso voltar, está na hora de desistir de toda essa loucura. Chega de lutas, conflitos e mortes.

Elser riu para dentro e sussurrou, – Fracote.

Vekkardi tentou argumentar, – E quanto a Radishi? Ele é sua única chance. Acha realmente que os necromantes vão deixar que você desista de seu destino?

– Meu destino? O que sabe sobre isso? O que sabe sobre meu destino, afinal?

– Você mesmo não sabe? Como assim? Por acaso não vai à Igreja? Por acaso não sabe das mentiras que os necromantes estão contado por aí? Não vê que preparam para você e as outras crianças de olhos negros algo maligno, algo para que se preparam há tempos, algo que irá aumentar o poderio e influência do reino de Lacoresh.

– Sim esperto, sei disso? Então me diga, que destino é esse?

Elser intrometeu-se e disse, – Não conte a ele! Ele não passa de um fracote e não merece saber. Deixe que vá abraçar seu destino infeliz.

– Ora! Seu silfo sujo! – Calisto golpeou-lhe o rosto com violência. O silfo estava despreparado, de forma que pode apenas girar o rosto a fim de receber o golpe contra a cabeça. O soco em nada abalou Elser que respondeu com uma rápida seqüência de joelhadas, cotoveladas e pontapés. Calisto beijou o solo da caverna ralando a lateral do rosto. Levando as mãos contra o tórax e abdome doloridos.

Vekkardi defendeu Calisto iniciando uma luta contra Elser. Ambos eram extremamente habilidosos e defendiam, ou desviavam-se dos golpes um do outro.

Calisto rolou observando a luta e queria interrompê-la. Murmurou, – Você está certo Vekkardi, não dá mais para voltar. – Levantou-se cuspindo sangue e completou, – E você está errado silfo, não sou nenhum fracote. – Em sua nova consciência, sabia que precisava de Radishi para confrontar os necromantes e escapar ao destino que preparavam para ele. Livraria Lacoresh de sua sujeira, da podridão que traziam. Daria de volta a Alena e ao povo de Lacoresh, seu reino de volta. Seria um herói, um rei heróico que removeria o véu maligno da farsa necromante. O povo passaria a adorá-lo. Sim iriam idolatrá-lo. Seus olhos brilhavam como se estivessem em chamas.

– Agora parece o velho Calisto que conhecia! – sorriu Elser.

O rapaz declarou, com fúria velada, – Se eles acham que vão fazer nós, os de olhos negros, de peões, estão enganados. Vou destruí-los e a seus planos idiotas, um por um.

Vekkardi parou por um momento e refletiu. Lembrou-se da conferência dos rebeldes em Vaomont. Ocasião na qual Radishi expunha seus planos usar Calisto como uma arma contra os necromantes. Na ocasião, estava concentrado em buscar uma cura milagrosa para a condição de seu irmão. Mas agora, tanto tempo depois, começava a perceber o sentido do plano de Radishi. Estava funcionando. Não sabia de todos os detalhes, mas enxergava a fúria de Calisto contra seus próprios aliados. Se lutassem entre si, talvez os rebeldes tivessem uma chance de reemergir. Aconteceria do modo que Modevarsh havia previsto e Radishi havia dito. Talvez Calisto tivesse a potência necessária para derrotar Arávner, um dos líderes do movimento dos necromantes. Mas e quanto ao Barão Dagon, não poria tudo a perder? Rodevarsh, o irmão de Modevarsh, já havia sucumbido. Elser tomara sua posição, mas parecia que não estava tão interessado na aliança com os Lacoreses.

Calisto tentou ler os pensamentos de Vekkardi e extrair o que ele sabia sobre seu destino, mas a proximidade do Orbe do Progresso o impedia. Ao menos tinham esse trunfo. Talvez pudessem se aproximar da fortaleza de Arávner sem que ele percebesse. – Chega de descansar – declarou. Vamos logo de encontro ao nosso destino. É hora de libertar Radishi e destruir Arávner.

Maré VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora