Epílogo

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Calisto abriu os olhos e sentiu mais uma vez a dor espalhar-se pelo seu corpo. Sabia que após seu confronto com Arávner, jamais seria o mesmo. As seqüelas era muitas e evidentes. Ao menos descansava em um lugar familiar. O quarto no qual fora criado no subterrâneo da necrópole. Da vela que deixara acesa na noite anterior restava apenas pequena porção do pavio em meio à massa de parafina derretida sobre a madeira escura do criado ao lado da cama. A cama e o corpo de Calisto rangeram na medida em que fez esforço para sair do leito. Seus cabelos estavam desgrenhados e havia uma rala barba imatura em sua face.

Há alguns instantes, o necromante que cuidava de seus ferimentos há algumas semanas chamou-o dizendo que Thoudervon desejava vê-lo. Sentia seu estômago revolto, pois desde que fora deixado na necrópole pelos guardas de Arávner, não esteve nenhuma vez na presença de seu mentor inumano. Sua intuição vinha tomando forma mais precisa com o tempo, talvez uma de suas faculdades latentes inexploradas. E sua intuição dizia que algo ruim, muito ruim estava para acontecer.

Não podia ser pior. Ao chegar no laboratório do morto-vivo ancestral, deparou-se com a pessoa que mais desejava ver, mas a que menos esperava encontrar, a rainha Alena. Sua beleza feriu os olhos do rapaz e percebeu que os olhos dela estavam cheios de brilho, cheios de lágrimas. Encararam-se por um instante e as lágrimas rolaram pela face lisa e branca da jovem rainha. Calisto avançou e se abraçaram. Beijos apaixonados. Uns poucos instantes de êxtase e felicidade.

Thoudervon emergiu das sombras e antes de falar, seus dentes colidiram freneticamente imitando o ruído de um chocalho. Seu elmo de metal com chifres repousava perfeitamente sobre o crânio amarelado e antigo. – Podem parar com isso crianças. – ordenou com sua voz tenebrosa.

– Poderoso Thoudervon! – disse Calisto ajoelhando-se diante da presença do antigo.

O coração de Alena acelerou e procurou imitar Calisto fazendo uma reverência.

Silêncio duradouro. Calisto esperava que Thoudervon falasse algo, ou mesmo fizesse algo. Mas, a criatura permaneceu imóvel a alguns passos de distância. Alena apertava a mão de Calisto com força e sentia o suor frio de ambos se misturando. O silêncio permanecia e o nervosismo de Calisto aumentava. Alena choramingava baixinho, tentando conter-se.

Calisto hesitou, – Poderoso Thoudervon, eu, eu...

– Cale-se! – ordenou o esqueleto, – Estou muito decepcionado com você. Como pode ser tão tolo? Confrontar um de nossos aliados. Envolver-se com a rainha. Quando Arávner enviou para mim você inutilizado, informando-me sobre todas suas peripécias, sobre seu envolvimento com a rainha, senti grande desgosto. – Thoudervon parou por um instante e revelou um jarro de cerâmica que trazia dentro do manto.

– Mas você mesmo disse que era como um jogo, que as peças podiam ser substituídas.

– Sim, inclusive você. Mas, tenho algo melhor em mente. É hora de aprender uma lição. – Thoudervon foi veloz, moveu-se como um borrão e Alena sentiu a garganta queimar, sem saber o que estava acontecendo. Estava feito, o ferimento no pescoço da rainha era mortal e Calisto percebeu o rosto de Alena empalidecer e sentiu jorrar contra seu corpo gotículas quentes do sangue de sua amada.

As pernas de Alena fraquejaram e levou as mãos contra a garganta, encharcando-as em seu sangue que pulsava veloz para fora do corpo.

Calisto liberou um ataque mental contra Thoudervon, mas pouco efeito conseguiu. – Maldito! Maldito! Como pode fazer isto? Ela não tinha nada a ver com meus erros!

Thoudervon observava quieto. Alena agarrou-se em Calisto, impedindo-o de avançar contra o esqueleto inumano. Calisto ajoelhou-se ao lado de Alena e olhou-a nos olhos. Seus olhos, completamente negros encheram-se de lágrimas e logo escorreram pela sua face. Alena tentava falar mas não conseguia. Calisto então estabeleceu um contato mental.

Maré VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora