CAPÍTULO 37

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Vekkardi sentia muita dor e sua mente mergulhava no passado. Viajava para quando fora feito prisioneiro na fortaleza de Noran, seduzido pelas trevas. Uma das costelas quebradas furava a carne de seu peito por dentro, uma sensação parecida com as flechas que lhe atravessaram o tórax antes de ser preso pelos necromantes. Naquela ocasião, não sabia sobre o terrível destino que seu irmão tivera. A pedido de Noran, que usava terríveis máscaras, sua vida fora poupada. Salvou-se repetindo uma frase. No momento, tentava alcançar salvação fazendo o mesmo.

O discípulo de Modevarsh suava e delirava repetindo, – Eguereeppykilu! Eguereeppykilu! A chave que destranca a mente é guardada por Kivion e Radishi!

– Maldição, Radishi! Não deviamos ter saído.

– Ele se foi... – comentou o tisamirense. – Não sinto mais a presença do necromante. No entanto...

O silfo girou a cabeça atento a ruídos vindos de fora da toca.

– Will está vindo, acompanhado de alguém.

Pouco depois, escutaram os passos apressados de Will na escada. – Olá! Estão todos bem? – disse ofegante.

Radishi respondeu, – Vekkardi está muito ferido!

Em seguida, Will surgiu suado e com os olhos arregalados. – Logo soube! A coisa escapuliu!

– Ao que parece, transferiu suas chagas para o pobre Vekkardi. – explicou o tisamirense.

Will ajoelhou-se ao lado do divã e verificou o braço de Vekkardi, que continuava delirando. Rasgou a camisa, apalpando-lhe o peito. Exclamou preocupado, – Está perdendo muito sangue por dentro!

Radishi e Roubert voltaram suas atenções para a entrada da toca de onde surgiu uma figura muito calma.

Roubert ergueu as sobrancelhas e exclamou tomado por profunda surpresa, – Primo Eleriln!

O silfo de expressão plácida sorriu para o primo dizendo, – Roubert, fico feliz em vê-lo. – Examinou Vekkardi por um instante e sorriu para Radishi cumprimentando-o com um aceno. O sorriso era perfeito, com dentes muito brancos e emparelhados. Roubert foi a sua direção e abraçou-o. Era um silfo magro, com o rosto estreito, nariz pontudo e lábios finos e delicados. Tinha orelhas grandes e pontudas, nada discretas. Sua pele era ligeiramente bronzeada, incomum entre os silfos da região. Vestia-se com couro escamoso e lustroso, bege com rajadas esverdeadas, como a pele de certas cobras. Seus cabelos eram castanhos claros e fartos, penteados para trás e com diversas pontas rebeldes. Seus olhos eram finos e estreitos, escondendo suas íris verde-mar.

Aproximou-se de Vekkardi com calma. Sentou-se de lado no divã e examinou seus ferimentos. Sorriu e com alegria entoou uma bela canção, na língua dos silfos. Em sua canção evocava energias mágicas curativas. Logo Vekkardi acalmou-se e relaxou por completo, mergulhando num sono profundo.

Gentilmente pediu, – Tragam-me água dos lagos, o máximo que puderem. – Retirou do cinturão uma faca pequena e delicada, porém afiadíssima. Segurando-a com a ponta dos dedos, aguardou a chegada da água em profunda meditação.

– Façam fogo por favor, pois toda água precisa ser fervida.

Após a fervura, pediu-lhes, – Ajudem-me a deitá-lo no chão.

– O que pretende fazer? – indagou Radishi.

– Farei o que puder para recuperá-lo. – Mergulhou a ponta da faca na água fervente. – Ele precisa ser operado.

– Você quer dizer, que vai cortá-lo? – indagou Radishi surpreso.

– Sim. É necessário.

– Se estivéssemos em Tisamir...

– Sim, compreendo. Mas infelizmente, não estamos. É mesmo uma sorte eu estar por perto... Do contrário, temo que seu amigo teria poucas chances.

Radishi suspirou.

Eleriln disse com placidez, – Se desejar, pode esperar lá fora. Não será um evento bonito de se ver. – Sorriu para Will e disse, – E Will poderá me auxiliar, como já fez muitas vezes, não é?

Will concordou com um aceno e ajoelhou-se ao lado de Vekkardi.

– Temos muito o que consertar. Você e Roubert podem aguardar e buscar mais água. Vamos precisar.

Eleriln voltou a cantar e em seguida, operava Vekkardi. O chão ficou cheio de sangue diluído em água. Durante a operação, o silfo, especialista em magias curativas, mas também em herbalismo e técnicas curativas mundanas, parava os cânticos e realizava magias. No fim, estava exausto e Vekkardi, dormia, com seu braço consertado e costelas reformadas.

Após uma noite de descanso, deixariam o esconderijo que não seria mais seguro com a fuga do necromante. Roubert e o primo não se viam há mais de um século e tiveram a oportunidade de discutir sobre as mudanças na floresta de Shind e sobre o tempo de estudos de Eleriln entre os silfos do mar, na cidade de Hynei.

Carregar Vekkardi não fora fácil, mas também não mais difícil que trazer Clefto. Uma vez fora das cavernas, tomaram rumo norte em direção ao pequeno vilarejo de Seilhe. Lá havia alguns colaboradores que abrigariam Vekkardi durante sua recuperação.

Audilha se comparada a Seilhe, seria uma grande cidade. A pequena vila não possuía pavimentação e não passava de um aglomerado de casas, uma pequena rua de mercados e alguns moinhos de vento nos topos dos morros próximos. O sustento da vila vinha da vinicultura e criações de pequenos animais, roedores de pelagem cinzenta, em sua maioria. Havia uma pequena cabana além do vale de Seilhe, na qual podiam buscar abrigo. Para não chamarem atenção, passaram por fora da vila, numa trilha difícil e abandonada, muito usada pelos rebeldes.

Maré VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora