XXVII (Alma)

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      "Alma eu amo-te" era Afonso a gritar por mim, aquela voz doce nunca poderia esquecer a quem pertence, eu queria gritar de volta ou dizer à minha mãe que interferisse e o deixasse entrar, porém o tubo em minha boca não me permitia. Tentei mexer-me para demonstrar aflição, mas ninguém reparou em mim, quando me tentei mexer de novo a minha mãe apercebeu-se, fiquei aliviada, mas rapidamente ela chama um médico por achar que eu estava em dores e que me contorcia delas.

Se sem nada no meu sangue já era difícil manter-me acordada imagina com algum calmante em meu corpo. Quando ele está para administrá-lo alguém abre a porta bruscamente, percebo-me que o meu estado realmente deve ser grave para começar agora a ter alucinações, o meu pai deve ter vindo buscar-me.

- Bem, boas noites. Tirem-lhe o tubo.

- Não! Ela assim irá morrer!

- Não, por acaso é ao contrário.

Apercebo-me que isto poderá não ser uma alucinação quando meu pai coloca Afonso ao meu lado, tão perto que se encontra ao alcançar da minha mão, eu precisava de saber se aquilo era real.

***

Recobro a consciência numa cama muito confortável, quando abro os meus olhos descubro que me encontro no meu quarto e não em um hospital. Procuro por qualquer sinal de vida naquele comodo, mas parece que estou sozinha. Questiono-me se apenas tive um pesadelo ou se tudo aquilo era verdade, porém algo em mim dizia que era verdade todo o tormento e revelações.

Levanto-me e arranjo-me confortavelmente, ainda não me sentia completamente bem para colocar saltos e vestidos cheios de cintas.

Ao descer dou-me conta das vozes que tomam a casa, gritam tanto entre si que a minha cabeça demora a acostumar-se com o barulho. Ao entrar na sala o silencio torna-se mortal, ninguém falava só olhavam uns para os outros, olhares esses, que transmitiam sentimentos de ódio, compaixão e saudade.

Porém, apenas um par de olhos em particular me captou a atenção completamente, as suas feições preocupadas e as suas grandes olheiras debaixo dos olhos transmitiam perfeitamente o seu cansaço, no entanto, algo nos seus olhos se iluminou quando se deparou comigo. A sua presença ali só me deixava extremamente confusa, mas quando era para questionar o que se passava, Afonso encaminhava-se para mim com o maior sorriso que alguma vez lhe vi, e que sorriso. Ao chegar a mim os seus braços rodeiam-me trazendo com eles uma paz e tranquilidade, que há muito eu não sentia.

- Alma, como te sentes? _ questiona ainda com os seus braços à minha volta.

Que sensação maravilhosa, o seu perfume e os seus grandes braços de volta de mim.

- Solta a minha filha, Lunar! _ grita a minha mãe.

- Oh Liliana, não é preciso esse estrilho todo. Aceita simplesmente que acabará por ser melhor para todos. _ disse o meu pai entediado.

Queria manter-me atenta à conversa, no entanto, o meu cérebro apenas se focava no detalhe em que o meu pai se encontrava à minha frente, como se nenhum tempo se havia passado.

Desembaralho-me dos braços de Afonso e atiro-me para os de meu pai, apesar de nunca estar propriamente presente não deixava de ser o meu pai, que em alguma parte da minha vida, se não maior parte, havia ocupado o lugar de meu herói.

Ele acolhe-me em seus braços e beija-me o topo da minha cabeça, aí como sentia falta do seu cheiro amadeirado.

- Como? Onde estives-te este tempo todo? _ pegunto-lhe.

Toda a gente dentro daquele comodo esperava a resposta, porém ele não parecia muito aprazido em dá-la.

Agora que me encontrava perto dele percebia que os anos não haviam sido bondosos com ele, as rugas realçavam-se no meio de uma feição cansada e abatida.

- Querida Alma, isso são histórias para depois, o que importa agora é percebermos como iremos lidar com a tua ligação a Afonso.

- A minha ligação? Como assim? _ pergunto.

- Senta-te que é melhor. _ diz Norton.

Aceno para ele e sento-me à espera de pelo menos uma explicação para aquele aparato todo e essencialmente em relação à minha recuperação milagrosa do leito da morte.

Eclipse: Um encontro de almasOnde histórias criam vida. Descubra agora