XII (Afonso)

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Conduzo para fora de Ateitis, lembrando-me das histórias pré-guerra que a minha mãe me contava. Segundo ela os helianos e lunares eram vistos como iguais, só que com a guerra civil isso alterou-se, exilando maior parte dos lunares para este lado da fronteira.

Costumava fascinar-me com tais histórias, onde lunares e helianos conviviam como iguais, que para mim pareciam um sonho. Lembro-me de andar na escola, que para nós é apenas permitida até aos 10 anos, e tinha o sonho de me tornar médico e salvar as pessoas, ou melhor salvar minha mãe de seu destino tão hediondo. Porém, isso não é permitido e quando o referi lembro-me do meu diretor Heliano rir-se na minha cara, como se tivesse dito a maior estupidez da minha vida.

Com Alma na cabeça lembro-me ainda das lendas que a minha mãe falava do amor entre as duas raças, que segundo ela as almas gémeas encontravam-se quando se olhavam nos olhos, eu ria-me na altura, mas agora aquela garota não me sai da cabeça e vejo-me a ponderar a veracidade de uma lenda com mais de quinhentos anos.

Eu realmente preciso de uma bebida forte que me faça esquecer estas parvoíces.

                                                               ***

Quando chego a casa já a minha irmã mais velha se encontra. Tento ir para o quarto sem ser notado, mas não fui muito bem-sucedido.

- Finalmente Afonso! Divertiste-te em Ateitis? _ ironiza_ A Aurora conto-me a tua estupidez em "ajudares" uma Heliana.

Sabia que a minha irmãzinha não se ia manter calada, contudo esperava que apenas fala-se para Rute amanhã onde já teria inventado uma desculpa.

- O que queres que te responda? _ questiono direcionando-me para o frigorifico e tirando uma cerveja que ali se encontrava _ Sim, fui idiota, mas não a podia deixar ali ... _ só de pensar a sua vulnerabilidade ali desmaiada dá-me uma volta ao estomago, dou um golo substancial na cerveja de forma a afastar tais pensamentos.

- Então decidiste trazê-la para nossa casa. Imagina que ela dá com a língua nos dentes! Imagina que Aurora diz ao pai que trouxeste uma Heliana para cá?

Realmente não queria que Val soubesse a existência de Alma. Seria um trunfo em tanto nas suas mãos nojentas.

-Tens razão. Não sei o que me deu. _ confidencio sentando-me numa das cadeiras da cozinha.

Rute olha para mim, e reparo quando a sua cara se ilumina.

- Tu gostas dela! _exclama chocada _ Tu gostas de uma Heliana!

Não confirmo ou nego, honestamente eu não sei o que dizer. Eu vi-a duas vezes e arrisquei a minha vida sem a conhecer.

- Tu não podes Afonso. Se te virem com ela prendem-te! Tu sabes da lei, não são permitidos relacionamentos entre raças. _ exalta-se _ Sem falar que não a conheces, ela pode ser apenas mais um nariz empinado como todas as outras!

- Não fales assim dela.

Ela cala-se e olha para mim espantada, como se quisesse desvendar um enigma complexo.

- Afonso eu não sei o que se passa, mas por favor pensa antes que faças alguma coisa que te arrependas. Não te esqueças de mim e de Aurora, o que faríamos sem ti?

Ela tem razão, se me acontecesse alguma coisa estaria a selar os seus destinos. Eu tinha de pensar na minha família eu sabia disso, mas aqueles cabelos e sorriso estavam gravados na minha mente.

De alguma forma com aquele seu jeito penetrou as barreiras, que eu nem sabia que existiam. Necessitava de me afastar dela, provavelmente nunca mais a veria. Isso decididamente era o melhor, mas porque é que me doía tanto pensar nessa possibilidade?

Eclipse: Um encontro de almasOnde histórias criam vida. Descubra agora