XXIX (Afonso)

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        Já me dói a cabeça com esta confusão toda, sinceramente já não percebo nada. Primeiro, quer estar depois não quer e de repente, quer. Olho de uns para os outros a discutir como se da vida deles dependesse, estou completamente perdido nesta grande sala repleta de gritos e galhofas. Ofendem-me como se tivessem nascido para isso, mantenho-me aqui porque preciso de uma grande explicação da Alma.

Ainda estou um pouco perdido com a ideia de o Val, quer dizer Emilio Vasconcelos, não tinha percebido bem a ligação, mas parece que vem de Valentim, seu segundo nome.

Chegou a noite e uns mais roucos que outros continuavam a gritar uns com os outros, no entanto, já nada de mim se tratava, mas sim sobre abandonos familiares, casamentos arranjados e o principal dinheiro. Já tinham chamado para o jantar, mas de nada adiantava esta gente não arreda o pé nem por comida.

Alma ainda se mantinha no lado oposto ao meu, do lado do irmão. A minha maior vontade era trazê-la para perto de mim, precisava de garantir que realmente ela estava viva e não era uma alucinação extremamente realista que a minha mente tinha montado. Porém, depois lembro-me que a última vez que havíamos estado juntos ela tinha-me afastado de sua vida e ambos tínhamos dito coisas que provavelmente agora não diríamos.

Nota-se ainda que ela não está completamente bem, afinal de contas os seus órgãos entraram em falência múltipla, todos disseram que foi um milagre, todos menos Val.. Agora começava a compreender a rápida relação dele e da minha mãe e de como ele mudou desde que esta falecera, eu nem quero imaginar o que seria de mim se hoje em vez de vê-la do outro lado da sala a visse num caixão.

Sem pensar muito encaminhei-me para o pé dela, dei-lhe a mão e comecei a puxá-la para a sala de jantar, só agora me apercebia que ela não havia comido nada e que precisava de recuperar condignamente. Puxei-lhe a cadeira para ela se sentar e ela agradeceu com um obrigado muito fraco, coloquei-lhe alguma/muita comida no prato e repeti o mesmo processo para o meu, sentei-me do seu lado e com um singelo "bom apetite" começamos a comer em silêncio. E como era bom passado horas, ouvir o silencio, mas como era de esperar o silencio durou extremamente pouco.

- Pare imediatamente o que está a fazer! _ grita Liliana.

- Deixa o rapaz comer Liliana. _ disse Val sentando-se e calmamente, muito calmante, ou melhor irritantemente tirou o seu prato serviu-se e sentou-se na ponta da mesa demonstrando claramente de quem se tratava.

- Não, senhor Emilio, este rapaz que está à mesa consigo não passa de um marginal e um vigarista, que de momento só está a pensar como há-.de lucrar com a situação. _ declarou Norton.

- Afonso, pretendes lucrar com a situação? _ questionou-me Val.

- Não...

- Então está resolvido por enquanto! Deixem-me apreciar esta refeição quente, que a minha cabeça já me doi de tanto vos ouvir guinchar!

- Mas pai... _ tentou Luciano.

- ACABOU!

Todos se sentaram à exceção de Liliana, que declarou explicitamente que não se iria sentar à mesa com um marginal. Agora eu não sei dizer se falava de mim ou do marido.

- Mãe, sente-se por favor e pare de fazer figurinhas desagradáveis. Eu acabei de sair do medico e a minha cabeça já está a explodir.

- Mas estás-te de novo a sentir mal? Consegues respirar? Queres ir ao médico? _ pergunta a mãe galinha tentando medir a temperatura de Alma.

- Não mãe, comparada a ontem ou anteontem, nem sei bem os dias, estou ótima!

Liliana estranhando todos resignou-se e sentou-se ao lado de Valentina, ambas demonstrando o nojo que tinham de mim.

- Pai?

- Diz Alma.

- Por onde andou estes anos todos? Porque a conversa pode se ter extraviado, no entanto, eu gostaria de perceber o porquê de nos ter abandonado. _ questionou Alma com a maior calma e desinteresse possível.

Enquanto olhava para ela fria, distante e assertiva, via-a pela primeira vez tal e qual como ela era. Apesar de claramente saber que ela é uma Heliana, só agora encaixou o que isso significava, ela não havia sido educada para o amor, mas sim educada para a indiferença.

Eclipse: Um encontro de almasOnde histórias criam vida. Descubra agora