DON'T STOP TILL GET ENOUGH

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Parecíamos dois adolescentes... na verdade, acho que estávamos sendo os adolescentes que queríamos ter sido. O vinho tinha acabado e decidimos usar a garrafa para girar no desafio. Cada um começou com umas coisas bem tontas, até porque os dois só escolhiam desafio. Primeiro ele me desafiou a tocar a campanhia do vizinho e sair correndo. Depois foi minha vez de desafiá-lo a comer mais um pedaço de pizza (hahaha), é assim fomos, imitando pessoas, animais, bebendo água...
    - Ah, chega vai! Agora uma rodada de verdades! - ele propôs. Não imaginei que estivesse mais curioso que eu.
    - Ok, mas tem que ser lá e cá: mesma intensidade de perguntas! - determinei.
A garrafa girou e, ironicamente, eu seria a primeira a perguntar. Antes de eu abrir a boca, porém, Michael se colocou:
    - Espera! Vamos combinar que não podemos falar de ninguém, só de nós mesmos, ok?
Esperto...
    - Muito bem sabichão... já saiu com garotas depois de um show?
    - Sim. Minha vez.
    - Sim? Só isso? Sim???  - Fiquei contrariada e ele viu, mas não ligou.
    - Minha vez - ele disse colocando a garrafa de lado - quais as características físicas dos caras com quem você costuma a sair?
    - Que raio de pergunta é essa??
    - Anos de verdade ou desafio nas turnês com meus irmãos: é preciso ser específico. Responda.
    - Michael, eu...
    - Sarah, sem enrolar!
    - Sair em que sentido? - perguntei.
    - Tipo um encontro.
    - Isso é um encontro?
    - Sim. - respondeu virando os olhos.
    - Certo, características físicas... alto, magro, olhos castanho escuro incríveis , lindo sorriso, pernas longas, pele negra, cabelo cacheado...
Michael revirou os olhos, pois entendeu que eu o estava descrevendo, e me repreendeu:
    - Isso não vale! Eu respondi sua pergunta, você que não perguntou direito!
    - Eu estou respondendo.
    - Você está falando só de hoje. Não vale.
    - É porque só aconteceu hoje. - respondi, ficando seria.
    - Ele riu. Olhou pro lado esperando eu rir também. Eu fiquei séria. Ele me olhou. Ficou sério. Abriu a boca mostrando ter, finalmente, entendido.
    - Sarah... espera, me deixa entender... não estou falando só de agora. Digo antes do que te aconteceu...
    - Antes, depois. Nunca tinha tido um encontro.
    - Mas como você?...
    - Essa é uma nova pergunta. Minha vez. Como foi sua primeira vez? - já que ele estava me deixando em xeque, ia ficar também.
Ele olhou pro lado, buscando palavras.
    - Assim... abaixo do que eu esperava, porque ela sentiu dor e eu fiquei me sentindo culpado porque não percebi logo. Pra mim foi médio, pra ela ruim.
Silêncio. Era a vez dele e a punhalada viria.
    - Sua vez. Faça a pergunta. - disse séria.
    - Não farei. Não quero te magoar. - Michael queria ficar sério, mas eu queria abrir logo este cômodo...
    - Faça a pergunta Michael.
    - Você nunca dormiu com ninguém? Tipo, antes do estupro?
Xeque.
    - Não. Nem antes e nem depois. Minha vez.
Ele ficou parado, meio boquiaberto. Me olhava com um pesar que nem o filtro alegre do vinho era capaz de disfarçar. Isso me incomodou:
    -Michael, vamos! Pare de me olhar assim. Já é ruim o bastante sem as pessoas terem pena de mim!
    - Sarah, eu não imaginava... - ele queria encontrar as palavras, e parece que o vinho ajudava - não imaginava que nunca tinha tido nenhuma experiência com ninguém!     - Eu não fui cavalheiro hoje! Eu... me perdoe!
Aquilo era péssimo...
    - Por favor, deixa disso...
    - Não, espera. Me deixa falar. Eu tenho três irmãs. Rebbie é muito mais velha então com ela não tive esse sentimento, mas tanto com Lá Toya quanto com Janet, ainda mais com a Jane... eu tenho ódio só de pensar em algum cara magoar uma delas, magoar! Quando me contou o que houve com você, isso me partiu em pedaços porque é uma maldade terrível, mas o que você conhece sobre sexo é isso! E não me admira sua reação hoje e seus traumas... eu... eu estou... sem palavras.
    - Disse muitas para quem está sem palavras Michael. - eu não estava brava com ele, mas odiava pensar que tinham pena de mim.
    - Quer que eu vá embora? - perguntou, muito sério. Isso me enfureceu.
    - Não. Não quero! Você acabou de tirar o curativo de uma baita ferida que eu estava tampando e enfiou o dedo lá dentro. Agora não vai embora e me deixar aqui sangrando sozinha! Já sangrei sozinha muito tempo, e ainda que doa demais, dor somada a  solidão é muito pior!
Eu estava chorando tanto que estava quase gritando... Michael me abraçou com força. Eu fui chorando e desfalecendo enquanto ele ia me amparando, até estarmos sentados no chão. Eu estava tão frustrada! Era para ter sido uma noite divertida. Estava sendo! Mas esse vinho idiota, essa brincadeira idiota, essa sinceridade idiota! Podia ter mentido, dito qualquer coisa! Mas eu escolhia sempre a verdade, ainda que doesse muito. Era hábito e fazia parte de quem eu era.
    - Me - me - me- desculpe... eu não, não queria... gritar... você...
A voz não saia nos soluços.
    - Shiuuu... se acalma... a culpa foi minha...
Acho que ficamos ali por uns 20 minutos, até eu sentir meus batimentos voltando ao normal. Quando percebi que a voz sairia, achei que tinha que dizer algo.
    - Como sou ridícula. Até a atendente da pizzaria aproveitaria mais essa noite que eu! Que dom idiota de chorar toda vez que estamos tão perto de ter um momento legal! - falei com raiva mais uma vez. Raiva de mim agora.
Michael limpou meu rosto delicadamente, tirando meu cabelo dos olhos. Ele me olhava com um ar de proteção e de - sim, estava ali - desejo ao mesmo tempo. Foi então que me dei conta: estávamos no chão e eu estava no seu colo, recostada em seu peito, sua mão em minha cintura, mas não era algo sexy, era protetor. Como sempre, eu queria racionalizar...
    - Deve estar super tarde... o Niko vem te buscar que horas? Pode ir com meu carro. Você pede pra ele trazer depois...
    - Não vou embora, não até você dormir.
    - Vai me ninar Michael?
    - Posso?
Ele não esperou a resposta. De um modo que não imaginei que ele poderia fazer, ele passou o braço por baixo dos meus joelhos e se levantou comigo no colo. Eu fiquei surpresa e ele percebeu.
    - Achou que eu não conseguiria de carregar? Você não é tão pesada...
    - É que você não é o tipo que parece levantar muito peso...
Michael começou a olhar em volta, então me toquei...
    - Ahhh... minha cama? Você está procurando a cama claro... bom, é um sofá cama, então acho que tenho que montá-lo.
Revirada de olhos número 346 da noite.
    - Mas é difícil ser romântico com você, dona Sarah! - disse ele, colocando- me no chão.
    - Já disse que precisa me avisar...
Michael me ajudou a arrumar a sala, lavou os copos e guardou o resto da pizza na geladeira enquanto eu me trocava para dormir e ia ao banheiro. Quando saí, ele estava brigando com o sofá cama.
    - Acho que é diferente do que tínhamos em Garry.
    - As vezes eu até esqueço que vocês já foram pobres... - disse, já ajudando na arrumação - mas você não deve se lembrar muito né?
    - Lembro sim. Lembro de bastante coisa. Foi uma época bem feliz.
    - Eu imagino que sim.
    - Mais uma. - ele respondeu. Eu não entendi. Ele explicou:
    - Mais uma vez você é a primeira que me diz isso. As pessoas geralmente se surpreendem quando digo isso. Vá, deite aí.
Eu estava de moletom e camiseta... não tinha forças pra pensar em nada  e minhas pálpebras estavam pesadas de tanto chorar. Mas estava preocupada com ele.
    - Como você vai embora? Leva meu carro e a chave que está na porta, eu tenho outra...
    - Eu me viro, ok? Agora se aquiete e me escuta, mas só me escuta. Você não tem que dizer nada.

"Hoje, quando saímos e minha mãe disse pra você cuidar de mim, você disse que já estava achando que tinha nascido para isso. Bom, eu sinto o mesmo por você, e não quero que a gente se afaste. Não sei o que vai rolar... não quero criar expectativas, mas o fato é que eu sempre fico leve com você. É como se, junto contigo, todo problema ficasse pequeno, tudo fica mais simples! Eu nunca conheci alguém como você. Já gostei de algumas mulheres, mas quando senti que era especial, eu fiquei inseguro e perdi por esperar demais e por eu não falar o que sentia... quando decidi falar já era tarde. Então não vou cometer este erro de novo. Minha vida é complicada, nunca sei se as pessoas estão sendo sinceras comigo, se há interesses escondidos... eu tenho um jeito meio obsessivo com o trabalho, quero ser o melhor Sarah, quero mesmo! E sei que isso custa um preço, mas às vezes a solidão é um preço caro demais, principalmente quando acho que posso ter os dois. Você gosta do mesmo que eu, mas não fica concordando o tempo todo, não tenta me agradar, e eu gosto disso! Você me diz a verdade do seu jeito direto e... acho que é disso que preciso."

Minhas pálpebras pesadas foram substituídas por olhos arregalados e uma boca aberta.
    - Michael, eu...
    - Não. Olha... eu só quero que você saiba que não é qualquer uma. Você me tocou, tocou meu coração, então quero saber se eu posso me manter perto e se você quer isso. O que vai acontecer depois, a gente vê depois, pode ser?

Será que ele tinha entendido que eu era uma mulher pela metade?
    - Eu adoraria ficar perto de você o dia todo. Eu nunca me senti à vontade como me sinto com você. Você não sabe como é difícil me segurar pra falar as coisas ou ouvir os desaforos quando simplesmente respondo o que as pessoas perguntam! Eu tenho que estar alerta o tempo inteiro e as horas que eu passo com você são diferentes, eu amo a sensação de ser eu mesma! Mas eu sou incompleta... não adianta ignorar o fato de que eu não posso... eh... transar. Ainda não... não sei se alguém aguenta isso.

Michael passou as pontas dos dedos no meu rosto, acariciando minha testa, nariz,  lábios e queixo. Eu estava deitada e ele sentado no chão, com o rosto na altura do meu.

    - Sarah, se for de verdade, vamos superar. Vamos esperar.
    - Não quero me lançar deste penhasco sem paraquedas Michael... Ainda que eu aguente outra queda, não quero essa dor.
    - Não vou deixar você cair. De um modo ou de outro, independente do que acontecer, eu seguro você.
    - Certo.
    - Certo?
    - Certo! - o que ele não entendeu?
    - Você aceita minha proposta? - ele quis saber e aí eu percebi que quem não tinha entendido era eu.
    - Refaça a proposta, só pra saber se eu entendi mesmo.
    - Aceita minha presença na sua vida tanto quanto quero a sua na minha vida?
    - Aceito.
Michael abriu um sorriso tão lindo... nunca o tinha visto sorrir daquele modo... alívio, alegria... não sei. Era maravilhoso ser o motivo daquele sorriso. Foi quando olhei nos olhos dele: havia lágrimas querendo cair. Imediatamente os meus olhos começaram a ficar marejados e ele percebeu.
    - Chega de chorar. Vai amanhecer com a cara inchada e não vai querer aparecer assim. Feche os olhos. Durma.
Ele se levantou e apagou a luz da sala, deixando a do banheiro acesa. Com menos luz, os olhos pesaram de novo. Ele voltou a se sentar no chão, ao meu lado e tirou os sapatos, recostou o braço no encosto do sofá e ficou com a cabeça bem perto da minha. A esta altura meus olhos se fecharam. Só me lembro de ter dito que ele não podia dormir daquele jeito e ele responder que não ia dormir. Lembro da voz dele cantando a música que me ajudou a acordar...

"You and I must make a pact
We must bring salvation back
Where there is love
I'll be there (I'll be there)"

Michael Jackson - E se... - lado AOnde histórias criam vida. Descubra agora