Unbreakable

59 11 3
                                    

   - Não fale assim Richard. - respondi, tentando ficar num lugar entre a seriedade e a ternura, mas sem saber se tinha conseguido.
    - Ah, ok, desculpa. É que ele é um cara pequeno, né? Achei que ele também viria.
Não podia culpar Richard... acho que quem nunca tivesse visto Michael ao vivo teria essa impressão.
   - Não, ele não é pequeno, você é quem cresceu demais! Fico feliz que esteja se dando bem no esporte.
A partir daí consegui enveredar para uma conversa sobre a liga universitária de futebol americano e a faculdade de educação física. Até entrarmos no assunto saúde, que era meu foco, não precisei mais que 5 minutos:
    - Bom, se tem algo que pelo jeito posso concluir é que o vitiligo não afeta em nada sua saúde, certo?
    - Não, não afeta. Só tenho que passar protetor solar pra caramba no dia que usamos o uniforme de manga curta, se não eu realmente frito no sol, mas de resto... sou saudável como um cavalo!
E era delicado como um cavalo também. Talvez fosse o espaço do carro que tivesse ficado pequeno, ou o crescimento muito rápido, Richard parecia desengonçado e já tinha esbarrado pelo menos três vezes no meu braço que estava melhor, mas ainda doía.
    - Bom, eu não quero tomar seu tempo, então vou direto ao assunto: você buscou ajuda? Fez algum tratamento? Conhece mais alguém com essa condição?
     - Ah Sarah! Por mim você pode tomar meu tempo quanto quiser, mas imagino que daqui a pouco o garoto prodígio vai mandar alguém atrás de você...
Eu estava totalmente desconfortável e imaginava Michael revirando os olhos milhares de vezes no banco da frente, sem poder falar nada.
    - Não é assim que nosso relacionamento funciona Richard, não há segredos. Mas sim, em breve precisarei ir embora, então se puder me ajudar...
    - Não, não, tudo bem, só estou brincando. Você quer saber do tratamento certo? Bom, eu comecei a passar mensalmente no centro dermatológico de Los Angeles e lá eles têm um cadastro com todo mundo que tem vitiligo daqui da cidade e da redondeza. Eles vão mapeando para tentar entender porque tem gente que fica mais ou menos manchado, as causas...
    - A cura? Controle? Há algo assim!
Richard sorriu como se pela primeira vez pudesse saber de algo que eu não sabia.
    - Não. Cura não. Controle? Mais ou menos... estão mapeando o que faz a gente desbotar mais rápido ou o que retarda um pouco.
    - Certo... você me passaria o endereço e o telefone de alguém que eu possa contatar?
Richard retirou um caderno da mochila, escreveu as informações que pedi em uma folha e arrancou para me entregar.
    - Aqui é o nome da médica, o endereço, e tomei a liberdade de colocar o endereço do meu quarto aqui na faculdade...
Me controlei para não cair na gargalhada: o que ele imaginava? Que eu chegaria numa linda noite no quarto dele?
    - A última informação não é necessária, mas muito obrigada pela sua ajuda. Bom, eu te ofereceria um par de ingressos para o show de amanhã dos Jacksons, mas percebi que você não é grande fã...
    - O quê? Claro que sou! Aquele seu namorado dança demais! Não sei o que você viu nele além da grana, mas tenho que dizer que ele é muito bom.
    - Não vou discutir sobre isso com você Richard...
Disse, já tentando dispensá-lo, mas a última fala dele foi tão contundente que mudou o rumo das coisas:
     - Ah, desculpa Sarah! É que... sei lá, ele está numa posição que o mundo inteiro pára para ouvir ele. Para ouvir um negro, como eu e você! E o que ele tem feito?
    - Ele é um artista Richard, não um ativista...
    - Mas a gente não pode servir só para entreter os brancos. A gente tem que ser visto como igual, e às vezes eu tenho a impressão que ele está tentando passar para o lado dos brancos ao invés de defender o nosso lado.
Eu podia sentir o coração de Michael doído com aquelas palavras.
    - Talvez não existam lados, apenas pessoas...
    - Se li direito, você sofreu aquele monte de coisa porque era uma garota negra numa escola de brancos sendo mais inteligente que os brancos. Enquanto a gente não puder ser igual ou melhor, sem ser podado, há lados sim.

Michael seguia dirigindo em silêncio. Eu permaneci no banco de trás, sem saber o que dizer.
Eu imaginava que ele deveria estar num turbilhão de emoções...
    - Michael, quer parar? Posso pedir para Niko levar o carro, ou eu mesma posso levar...
    - Não precisa.
Essa foi a resposta, dada com uma voz tão neutra que era simplesmente impossível distinguir qualquer sentimento.
Quando chegamos a Haveyhurst, descemos do carro e seguimos caminhando, até o ponto que para ir para a casa da piscina eu iria para a direita e para Michael ir para seu quarto, ele seguiria em frente.
Não quis perguntar para onde ele queria ir. Retirei o papel com o endereço do hospital da bolsa e o entreguei a Michael:
    - Quer guardar? Quando, e se você se sentir pronto para conhecer, eu marco, ou pode tentar ir sozinho se preferir.
Michael pegou o papel, meio indiferente.
    - Não vai querer guardar o outro endereço? - perguntou, sem me olhar.
Aquilo me feriu. Ele estava ferido. Engoli o choro e a raiva.
    - Não. Não quero, assim como você também não quer fazer isso comigo. Você está magoado, e eu entendo. Se precisar de mim, seja para o que for, me chame.
Me virei e comecei a caminhar em direção à casa da piscina, controlando a passada e a respiração, a fim de conseguir chegar.
Ao passar pela porta e fechá-la, as lágrimas lavaram meu rosto. E eu tinha, quase certeza, que Michael devia estar chorando também, mas era uma dor que ele queria sentir sozinho.

Michael Jackson - E se... - lado AOnde histórias criam vida. Descubra agora