Goin' back to Indiana - por MJ

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Eu estava nervoso, mas não podia mostrar isso a Sarah. Na verdade, eu mesmo queria rejeitar aquela sensação a todo custo.
Eu percebia que havia algo especial naquele lugar, naquelas pessoas, e o fato de Mandisa não ter "ido com a minha cara" era algo que, no fundo, eu achava positivo: havia pouca chance de bajulações, e o que eu mais precisava era de gente que me falasse a verdade.
Não que Sarah não falasse. Eu sabia que cada palavra que ela me dirigia vinha do seu coração, mas em parte, este era o problema: o coração é enganoso. Isso foi mencionado no livro de Jeremias, no capítulo 17, se não me engano. Logo, o que eu precisava era de gente me dizendo a verdade, sem a interferência de sentimentos verdadeiros, ou de interesses.
Ali, no meio dos coissã, dava para notar que havia um respeito enorme por Mandisa. Mesmo os missionários já tinham mencionado isso enquanto conversávamos sobre as melhorias na aldeia.
   - Mama Mandisa é uma mulher muito, muito forte. Ela era parteira, quer dizer, ainda é quando necessário. Mas além de respeito há também um certo temor... - disse o missionário Mills quando lhe perguntei a respeito dela.
   - O passado dela foi cruel... uma história que dá arrepios. - completou sua esposa.
Eles não entraram em detalhes, mas depois que ela disse sobre ter sido "assassina de crianças" e o fato dela ter atuado como parteira, fazia as coisas ganharem algum sentido.
    - E sobre esses... rituais que ela faz? Que ela está fazendo com Sarah agora. O que vocês pensam sobre isso, biblicamente falando?
Minha pergunta fez o casal se olhar com uma expressão estranha. Foi o marido que começou a falar.
    - Senhor Jackson, a conversão de mama e de Latitah é notória.  Não temos a menor dúvida disso. O que elas fazem, estes banhos, chás, infusões... isso é mais...
    - É mais um ato profético. É como se ela materializasse algo que é espiritual. Como se fazia na época dos sacerdotes em que havia o incenso, as ofertas... é simbólico. - concluiu a senhora Mills.
Eu percebi que, mesmo com aquela explicação, que me soava sincera, havia um certo desconforto.
Eu precisava saber no que Sarah estava se envolvendo.
    - Então o banho, as ervas, elas não fazem nada?
Senhor Mills pigarreou. Parecia tentar encontrar as melhores palavras, mas sem se comprometer.
    - Nós somos batistas, senhor Jackson. E a igreja Batista é bastante metódica no que diz respeito ao modo como as coisas do Senhor são conduzidas. Não endossamos as práticas de mama Mandisa, mas não as condenamos.
    - Há muito ainda para a ciência estudar sobre os efeitos das plantas medicinais. Deus sabe que tesouros há guardados na composição de cada folha, cada raiz... tomamos chá de camomila para acalmar, chá de folhas de boldo para o estômago... quem garante que não há cura para os sentimentos nessas matas? - completou a esposa, mas seu marido parecia discordar.
    - Não. Não penso assim. Acho que o que mama faz é criar uma atmosfera propícia para a ação do Espírito Santo. Ela faz toda aquela preparação, com as folhas, o banho, porque isso desarma as pessoas, e sem as armaduras, o Espírito pode agir. É isso, pelo menos na minha opinião.

Agora eu estava ali, sentado debaixo da enorme árvore de flores vermelhas, vendo Sarah ensinar a coreografia de Thiller para cerca de 20 crianças, adolescentes e mulheres. Eu era o "jurado", mas confesso que não estava prestando atenção como devia.
    - Amor!! Você viu o Kalih? Ali, no canto? Olha o talento desse garoto!
Sarah me apontava um menino magro e pequeno, mais ou menos do tamanho que eu tinha quando comecei com os meus irmãos. Ele realmente parecia talentoso.
    - Uau!!! Parabéns!! Você leva o jeito mesmo!
Me levantei e comecei a caminhar. Eu precisava pensar. Não ia desistir do que tinha dito a Sarah: eu iria falar com mama naquela noite, mas ainda não sabia o quanto me abriria de fato pra ela.
    - Michael! Espera! - gritou Sarah, me alcançando, e continuou. - Por favor, não se sinta obrigado a nada. Nada! Não precisa ir se quiser. Acho que eu estaria tão ressabiada quanto você.
Sarah era um anjo. Eu ainda não acreditava que a merecia em minha vida.
     - Não é isso... eu só... preciso pensar. Pensar no que ela disse de manhã. Pensar no que direi a noite. Vou ali naquela clareira que fomos ontem.
    - Tudo bem... vou ajudar Latitah a dar o banho nas crianças no açude.

Michael Jackson - E se... - lado AOnde histórias criam vida. Descubra agora