Por:
Aires Eno Ngola
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Tempo passadoEu sei o que é respirar, sei que estou a respirar, mas não sinto o ar passar, coloco sempre o dedo em frente ao nariz, mas não sinto o ar tocar a minha pele. Viver assim é tão aborrecido quanto ser o melhor em algo e não teres um adversário a altura, é tudo tão aborrecido.
A dor serve para nos proteger, mas eles ainda não perceberam isso. São eles os culpados, eles estão com o que é meu, eles sentem por mim. porque eles não notam que tem algo errado comigo? Estou tentando os alertar.
Porque o Amir reclama tanto, eu acho a dor tão prazerosa, mas o mundo privou-me dela. Se ela não me abandonasse eu teria evitado muita coisa, a dor é a coisa mais generosa do mundo, como uma mãe ela te avisa que estás em perigo, mas porquê que eu não sinto nada? Quem a roubou de mim? Foi ele ou ela? Foi a Amari ou o Amir?
- Aires! - Amari e o Amir chamavam por mim - vem logo.
Desci para ir ter com eles e fui até a cozinha, a porta dos fundos estava aberta, o Amir e a Amari brincavam lá fora, na parte posterior da casa. Parei na porta e olhei para trás, fiquei alguns segundos a olhar para o fogão, sei que não devia, mas era tentador, e se dessa fez eu sentir? Custa tentar?《Vai ser só um pouco》Pensei.
As chamas naquele fogão dançavam a favor do gás liberado, o fogo é um elemento tão lindo e atrativo, o mau é que ele queima, mas isso para mim não é problema. Cheguei mais perto do fogão e acendi uma das bocas livres. Aumentei a temperatura e vi o tom do fogo mudar de azul brando para laranja intenso. Arregacei as mangas e passei levemente o braço, não funcionou, eu não sentia nada, então o deixei por cima das chamas.
- Sentes isso Amari? - ouvia o Amir lá de fora a falar
- Sim o que pode ser? Está a queimar.
Logo eles começaram a queixar-se da dor, mas, porquê eles queixam-se? Aí vem ela, comecei a sentir algo em mim, não sei bem explicar o que era nem cócegas sinto, não tenho nada a que possa comparar. Mas gostei, sentia algo no peito como se estivesse a desesperar. Aumentei ainda mais o lume e estava cego pelo prazer em fazer tal coisa, era revigorante embora não sentisse nada físico. Estava com a boca a salivar de desejo por mais, já nem sequer ouvia os gritos lá fora.
- O que estás a fazer?
Meu pai apareceu e eu parei de imediato o que esta a fazer, pegou-me pelo braço e puxou-me dali. Ele falava um monte de coisas, provavelmente o de sempre, que eu não podia fazer isso, que era perigoso, que tinha que pensar mais nos meus irmãos. Se eles pensassem em mim, dariam-me o que quero, mas ficam com toda a dor para eles. Meu pai continuou o ralhete, mas eu não ouvia, ainda via um vulto com a silhueta das chamas e só pensava quando poderia fazer isso de novo, mal via a hora de poder experimentar novamente.
Eu ria baixo de satisfação, ouvi o meu pai dizer que para a próxima ia me bater, fiquei feliz eu confesso. Vou aguardar ansiosamente por essa surra.
- Anda, vem ver como os teus irmãos estão.
Ele me arastou até o quintal, a Amari e o Amir não paravam de chorar e se queixar da dor, os berros da Amari eram arrepiantes, a boa sensação que tinha desapareceu de imediato, o prazer sumiu e deu lugar a culpa. O olhar Vazio e culposo do Amir me rachou ao meio, deiviei os olhos dele, pois percebi que estava magoado comigo.
Meu peito doía de tristeza e um pouco de raiva, porque eram os sentimentos do Amir, os sentimentos dele em relação a mim. Estou a fazer o meu irmão me odiar e em parte gostava disso. Eu não quero magoar os meus irmãos, eu só não faço isso constantemente por eles, mas também não consigo parar de o fazer.
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Entre irmãos
Gizem / GerilimAmari, Aires e Amir, os trigémeos da família Ngola, sempre tiveram conectados pela dor. Após a morte da mãe, do aprisionamento do pai e do incidente em que perderam o irmão, Amari e Aires mudaram-se para a casa da tia e acabaram por perder parte da...