Há exatamente oito anos que a minha mãe, Maria Ngola, havia morrido. Estava um dia chuvoso e melancólico, parecia que o céu havia se entristecido comigo, carregava um buquê de rosas negras em uma das mãos, as preferidas da mãe e agora também as minhas, e na outra, o guarda-chuva que me protegia das gotas frenéticas vindas do céu.
Assim que deixo as flores no túmulo da minha mãe levanto-me, ajeito o guarda-chuva e caminho até a saída do cemitério. O meu irmão Aires já me aguardava junto ao carro com o nosso motorista, apesar de não gostar nada de cemitérios caminhava em passos lentos por entre as campas, pois não tinha pressa alguma, também quem gosta desse lugar? O suposto berço da nossa morte, nem sequer os coveiros que dependem do mesmo para o seu sustento.
— Ai! — caí ao sentir uma dor forte na perna direita.
Não era comigo então calculei que fosse o Aires. Corri o mais depressa que pude para ver do que se tratava, parei bem na entrada do cemitério que tinha o nome de Santa Ana, escrito num grande arco de metal por cima dos portões. Ainda tinha o guarda-chuva comigo e apertava o cabo na sua extremidade para amenizar a dor que sentia.
Aires estava recostado no carro com a perna direita a sangrar.
— Aires! Você está bem? Não posso deixar-te sozinho por um minuto que algo acontece.
Como sempre transparecendo indiferença e friez. A sua aparência desleixada era o que menos me importava no momento, trajando preto dos pés a cabeça não por ser um dia de luto para nós, mas, porque ele escondia as suas lesões e hematomas de baixo de roupas pretas de marca. O seu cabelo crespo, por cortar, e incrivelmente preto apesar de destratado o deixavam mais sofisticado, Aires é o exemplo de pessoas que mesmo que andem pela cidade que nem um farrapo sempre vão atrair atenções positivas.
A minha perna ainda latejava, sinal de que era grave, aproximei-me e consegui ver pelos danos na sua calça jeans que provavelmente tinha sido mordido por um cão de rua.
— Ai! — foi tudo que ele pode exclamar, só estava a ser sarcástico sei bem disso — Está tudo bem não é nada.
— Não é nada? — digo indiferente — Francisco por favor nos leve para o posto médico mais próximo.
— Já disse que não foi nada, para de se preocupar à toa Amari — diz e cruza os braços na sua frente.
De nós os três, Aires era o que não sentia dor alguma, nem a nossa e nem a dele.
Aires foi diagnosticado com Analgesia congénita aos oito anos, nesse caso, embora o sinal de dor seja emitido não chega ao cérebro. Então é meio difícil sentir dor, e ele tenta sempre se pôr em todo o tipo de problemas para se causar lesões, ele não se importa com a dor dos outros simplesmente porque não a conhece.
— És cá um teimoso, sabias? Você não percebe o que estás a fazer consigo não é? — aproximo-me a passos lentos e paro na sua frente — Você não sente, mas ainda assim o seu corpo sofre os danos, idiota! Tu és indiferente, mas eu sofro com isso sabia?
— A dor tem que sem sentida Amari! — ele olha no fundo dos meus olhos como se quisesse contar-me alguma coisa com aquele olhar.
— Que seja — respondo baixinho dando as costas e subo no carro — desculpa então por preocupar-me contigo.
Logo em seguida, Aires entra pelo outro lado e o Francisco, o nosso motorista e amigo da família há anos, assume o lugar do condutor. Era um senhor de sessenta anos muito bem conservado pelos vistos, não o daria mais de cinquenta anos, a sua pele negra estava ilesa as quaisquer vestígios de rugas.
Não faz nem dois minutos e o carro para em frente a um posto médico, não era tão distante do cemitério, até dava para ir a pé. Francisco acompanha Aires para o banco de urgência e resolvo voltar sozinha.
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Entre irmãos
Mystery / ThrillerAmari, Aires e Amir, os trigémeos da família Ngola, sempre tiveram conectados pela dor. Após a morte da mãe, do aprisionamento do pai e do incidente em que perderam o irmão, Amari e Aires mudaram-se para a casa da tia e acabaram por perder parte da...