Capítulo 2 _ Memórias

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Irmãos gémeos sempre foram e continuam a ser um mistério para os pesquisadores. Mesmo nós não sendo trigémeos univitelinos, eu e os meus irmãos, podíamos literalmente compartilhar a dor um dos outros, porém tinha algo com muito menos explicação do que o facto de podermos sentir os ferimentos alheios. Era uma experiência surreal até já brincamos com isso, mas a medida que crescíamos se tornava um verdadeiro peso nas nossas vidas.

Também podíamos sentir emoções. Como uma descarga de energia em que éramos os condutores, e dependendo da sua intensidade ela atravessava o nosso corpo e com isso podíamos saber a dor um dos outros. Foi assim que percebi que Amir estava diferente nos últimos dias.

— Devias falar com ele, Aires.

— Com o Ami?

— Sim, falo dele mesmo.

Chego perto do Aires e sento-me no sofá, velho, ao seu lado. Estávamos sozinhos na enorme sala de estar, pois, o nosso pai, Kenai Ngola, havia se recolhido no seu escritório assim que terminamos o jantar.

Todos estavam cabisbaixos e reclusos no seu próprio ambiente, fazia dois meses que a nossa mãe tinha falecido e estava a ser difícil para todos nós. Por incrível que pareça era o meu pai quem mais sofria, ouvíamo-lo soluçar pelos cantos da casa, por vezes ligava para a sua irmã e perguntava como cuidará sozinho de três adolescentes especiais.

Fico a pensar no que poderiam dizer ou fazer quando souberem o que fiz. O meu grande pecado.

— Amari acalma-te, temos passado por muitas emoções esses últimos dias tenta não se remoer, está bem?

Aires vira-se para mim e olha no fundo dos meus olhos como se quisesse contar-me algo. Algumas vezes, não entendia o porquê dele fazer isso e outras vezes, como agora, era reconfortante esse olhar, via-me refletida no castanho-claro dos seus olhos, o que permitia olhar para ele e para mim ao mesmo tempo.

— Estou calma! — de novo aquele aperto no peito, sentia remorsos vindo do Aires, será que vinham dele ou de mim? Perguntei-me — Está bem, vou tentar não me atormentar, mas tens que fazer o mesmo, ficar se a culpar não vai mudar nada.

— Olha quem fala, estás a dar uma de conselheira, mas também estás a se culpar, pelo quê não sei, mas tua mágoa magoa-me também.

Ah! Então é isso, se continuar com esse remorso daqui a nada o Aires vai questionar-me e ninguém pode saber o que fiz.

— Desculpa, vou-me acalmar. — digo e desvio o olhar como se isso fosse afastar tudo que pensava e sentia no momento — Então vais falar com o Amir? Acho que devíamos ter mais atenção com ele, não consigo sentir nada vindo dele.

— É por isso que existe diálogo, Amari! — diz e afunda o seu corpo no sofá, em seguida coloca o seu braço no rosto para esconder a sua expressão facial.

— Então vai atrás dele não é!

— Porquê eu? Você tem mais jeito com as palavras, estamos sempre a dizer que és o coração da casa e tudo.

— Mas você é homem, deviam se entender melhor ou algo assim. — puxo o seu braço e o faço olhar para mim.

— Não é bem assim que funciona — ele revira os olhos como se eu tivesse dito uma grande burrice — então vamos os dois.

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