Das outras vezes, desde que nos mudamos, eu não me apercebi de onde é que vinham essas sensações, que não me pertenciam, afinal, era o Aires que estava instável. Então quer dizer que estamos a compartilhar sentimentos, outra vez, será que das outras vezes tinha sido ele também?
Eu e o Aires nunca tivemos conectados dessa maneira, com exceção das vezes em que o Amir deixava de emitir sinais. Era preciso o Amir desconectar-se de nós para mim e o Aires nos conectarmos dessa maneira. Lembro-me que só conseguia sentir os sentimentos do Amir, assim como o Aires só conseguia sentir os do Amir também. O Amir era o centro do compartilhamento, ele sentia tanto de mim quando do Aires, ele era uma ponte entre nós, o elo de ligação. A única coisa que eu e o Aires sempre compartilhamos são as dores físicas.
Aires ainda me abraçava forte junto da figueira. Ele não fazia questão de soltar-me tão cedo, tremia dos pés a cabeça, a sua angústia começara a acalmar e senti a sua pulsação a normalizar. Ele estava quentinho, era super confortável o seu abraço, uma pena que ele não podia sentir o mesmo.
— Nunca mais faça isso, por favor — ele diz com o seu rosto soterrado no meu ombro, a sua voz saiu trémula e o seu hálito aqueceu o meu pescoço.
— Não vais chorar, pois não?
Era raro ver o Aires nesse estado, então não sabia como reagir.
— E se eu chorar?
Ele larga-me e fixa os seus olhos nos meus, com aquele seu olhar de quem quer contar-me alguma coisa. Foi o suficiente para eu perceber tudo, o olhar que por vezes é reconfortante para mim no momento pediam conforto. Dessa vez fui eu que o abracei forte.
— Não volto a fazer, prometo — digo e o amparo.
Caímos sentados no chão, ao pé da árvore, que futuramente seria um belo relvado.
— Fui atrás de ti, mas não te encontrei no mercado, o teu telemóvel chamava, mas ninguém atendia, decide deixar estar já que não precisas mesmo de mim — ele começou a explicar-se — Mas depois eu senti medo, muito medo vindo de ti, porém eu não estava contigo para ajudar. Então pensei no pior.
— Explico tudo depois, estou bem. Não é que não precise de te, só não temos que estar sempre grudados um ao outro, percebes? — ele belisca o seu próprio braço e só para quando eu solto um grunhido de dor — Ai, porque fizeste isso?
— É a tua devida punição, minha cara.
Parece que se recompôs e voltou ao seu estado normal, bem rápido até.
— Punição? — questiono indignada.
Ele olhava para mim intensamente com os seus olhos castanhos claros, que reluziam pela lágrima que ele forcava em não deixar cair. O seu semblante voltou ao normal, fixei o meu olhar nele e sorri de orelha a orelha, senti-me tão bem por ter essa sensação de conforto perto dele, a mesma que o nosso pai Kenai Ngola, passava sempre que eu ia o acordar após um pesadelo. O tempo estava húmido já, comecei a ficar arrepiada pela brisa fria que passava por ali. Aires puxa ainda mais o capuz do seu casaco e vira o rosto para o lado oposto a mim, ri com o seu gesto.
— Punição por teres-me deixado preocupado — diz com o rosto ainda virado para o lado contrário.
Fiquei bem na sua frente, segurei o seu queixo e filo virar o rosto para mim.
— Agora diz-me uma coisa, como foi?
O seu rosto estava sério e sem o vestígio daquela lágrima que outrora queria cair.
— Como foi o quê? — fala e levanta-se.
Sacudiu a roupa que tinha ficado suja de terra e pegou nos sacos que eu tinha trago e deixado no chão.
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Entre irmãos
Mystery / ThrillerAmari, Aires e Amir, os trigémeos da família Ngola, sempre tiveram conectados pela dor. Após a morte da mãe, do aprisionamento do pai e do incidente em que perderam o irmão, Amari e Aires mudaram-se para a casa da tia e acabaram por perder parte da...