21 anos, vivemos juntos um ano a mais e contrariamos as expectativas. Por vezes esqueço-me dessa realidade. Olho sempre para o Aires e ele é tão ameno e indiferente, não parece que no seu interior está se passando uma guerra.
— O Aires deverá voltar a ser acompanhado por uma equipa multidisciplinar composta por médico, enfermeiro, dentista e psicólogo entre outros a fim de prevenir novas lesões e melhorar a sua qualidade de vida — a Dra. Carolina diz ao levantar da cadeira para contornar a mesa em que estava. — Temos de encurtar o tempo de retorno aos exames para investigar se existem doenças que precisam ser tratadas. Dantes os exames eram 1 vez por ano, agora serão 4 vezes ao ano. Ele vai ficar na UTI até todos os exames estarem prontos e muito provavelmente ser anunciada uma possível cirurgia.
Levantei da cadeira e saí da sala com os olhos a arderem por eu estar a prender o choro, a Dra. veio atrás de mim e amparou-me ainda em frente a porta da sala em que estávamos.
— Queres alguma coisa querida? Sentes-te bem? — ela pegou no meu braço e fez um carinho ali naquela região — tenho analgésicos, você quer?
— Não obrigada, estou bem, aparentemente. Não quero livrar-me da dor que o meu irmão tenta sentir.
— Tudo bem querida, calma — ela arrastou-me até as cadeiras metálicas que ficam nos corredores e nos sentamos — não te preocupes vai ficar tudo bem, vai passar.
— Eu não quero que ela passe, o dia que a minha dor cessar significa que não terei mais o meu irmão aqui.
Chorei feito criança no colo da Dra., fiquei desidratada e sem ânimo nenhum. Por mais que tentávamos o proteger o Aires sempre ia e se jogava no mundo. Lembro-me de uma altura em que a Tia Kénia não o deixava sair sem proteção, ele tinha que usar capacete e outras coisas mais, mas assim que chegava na escola ele tirava tudo porque os seus colegas implicavam com ele. Passei a ir com os equipamentos também para ele não se sentir o estranho da escola, foi tudo ideia da tia Kénia, ela já tinha percebido que o instinto de sobrevivência do Aires era seguir a mim, mas ainda assim o Aires sentia-se rejeitado e não entrava na sala de aula algumas vezes, foi assim que perdeu o ano. A época da proteção durou quase dois anos, tenho que confessar que era vergonhoso andar com tudo aquilo, a adolescência não perdoa. Quando ele descobriu que também virei alvo de chacota por usar os equipamentos, desistiu da escola, aceitamos a sua decisão e ele passou a ter aula em casa. Ele decidiu não fazer faculdade e esse ano eu também não estou a ir à faculdade.
Os exames do Aires eram apenas uma vez por ano, mas são muito caros, a tia Kénia se sacrifica tanto por nós, ela é divorciada e nunca chegou de ter filhos, sendo a irmã mais nova do meu pai ela põe-se no papel da nossa mãe. Apesar de ir contra aquilo que queremos ela só quer o melhor para nós.
Começou a fazer frio no corredor, a janela mostrava a noite gélida e sem estrelas, estava lua cheia. O vento ficou forte de repente e ouviam-se as folhas das árvores a bailarem a favor do vento. Eu estava deitada no colo da Dra. Carolina a olhar para as luzes fracas que insidiam o ambiente. Nesse meio tempo a Tia Kénia continuava na sala com o Dr Marcos. Ouvi passos longos a se aproximarem. Não eram bem passos, na verdade, era mais uma corrida moderada, olhei para o fundo do correr e depois de uns segundos um enfermeiro fez o contorno e apareceu desesperado. Aproximou-se e dirigiu-se a Dra.
— Dra. Carolina o paciente 88 reagiu finalmente.
— Ok vamos — a Dra. levantou-se quase que imediatamente e foi com o enfermeiro — Amari avise a sua tia, trata-se do Aires — ela diz antes de desaparecer no contorno do corredor.
Corro e chamo a tia Kénia e o Dr Marcos vem connosco também, vamos até a UTI. Tivemos que nos equipar devidamente, pois não se pode levar bactérias para essa zona porque os pacientes são de caso grave.
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Entre irmãos
Mystery / ThrillerAmari, Aires e Amir, os trigémeos da família Ngola, sempre tiveram conectados pela dor. Após a morte da mãe, do aprisionamento do pai e do incidente em que perderam o irmão, Amari e Aires mudaram-se para a casa da tia e acabaram por perder parte da...