Capítulo 3 _ Cairo

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Hoje o dia estava radiante. O sol brilhava como nunca e expunha todo o seu esplendor lá no alto, o meu telemóvel indicava uns 42 °C de temperatura ambiente e ainda nem era meio-dia, a minha garganta estava ressecada pelo tremendo calor e eu já estava a desidratar.

É o nosso segundo dia cá em casa, ontem foi para fazermos as devidas limpezas, arrumamos boa parte das coisas e o resto terminamos hoje. Aires já havia se instalado no seu quarto, ele arrumava-o enquanto ouvia as músicas, bastante altas, da F.S. que propagavam pelo corredor até o meu quarto, gostava da filosofia que as letras carregavam e igualmente da sua sonoridade.

Tinha acabado de arrumar as minhas coisas, desfiz as malas e coloquei-as dentro do closet. Tinham roupas em falta, mas de certeza que se eu ligasse para a tia Kénia ela não faria questão de as mandar, já que ela não aceitou bem a ideia de nos mudarmos, ainda mais para cá. Passei os olhos pelo quarto para ter certeza que estava tudo no lugar e senti-me satisfeita com o meu feito. O quarto estava o mesmo, mas agora com uma secretária no lugar da cómoda, preciso muito mais de um local de trabalho do que um espelho, se quiser ver o meu reflexo tem sempre o da quarto-de-banho.

Resolvo ir à cozinha, mas, por alguma razão, parei no meio do corredor que dava acesso aos quartos e virei para o lado, bem enfrente ao quarto do Amir. Pequei na maçaneta prateada da pesada porta de madeira envernizada, desde que chegamos ainda não tivemos coragem de a abrir. Rodei a maçaneta e de novo tive inúmeras memórias de uma só vez que não consegui identificar. As vozes das crianças voltaram a ecoar, por toda parte ouvia o meu nome a ser repetido vezes sem conta.

— Amari! — Aires tira-me do transe com o seu chamado.

Eu estava meio atordoada então ele pega na minha mão e faz com que eu solte a maçaneta, depois disso as vozes das crianças sumiram e olhei para o Aires assustada.

— Ouviu isso? — perguntei com medo.

— Ouvir o quê?

— As vozes, você não as ouviu?

Estava confusa, então direcionei-me de novo a porta para a abrir, mas hesitei.

— O que foi, estás possuída?

— Não, eu senti uma energia, como se o meu corpo estivesse a ser atraído pela porta — digo visivelmente confusa.

— Prontos, era só o que faltava, agora vês fantasmas. Estás mesmo a sentir-te bem?

Aires olha para mim como se eu realmente estivesse a ficar com parafusos a menos.

— Não sejas assim, na noite em que chegamos você também sentiu algo de estranho, nem vale a pena negar.

— Aquilo era outra coisa, foi apenas um sonho que tive — ele desconversa como se me escondesse algo — se eu soubesse que ias ter alucinações nem aceitaria essa mudança — ele solta a minha mão e coloca as suas duas mãos nos bolsos da frente da calça — Estou a achar que seria melhor nem termos vindo.

— Para com isso Aires, já falamos disso, se não queres estar aqui então volta, és livre para isso, mas fica a saber que vais voltar sozinho.

— E deixar você aqui sozinha sem ninguém a tomar conta de ti? Não mesmo. Além do mais, quem ia fazer-me campainha quando fosse assombrado pelos roncos da tia Kénia — diz com um enorme sorriso no rosto e cara de brincalhão.

— Estou a falar a sério, criatura.

Ele coloca uma das suas mãos na minha testa e a outra na dele para comparar as nossas temperaturas, depois olha para mim de um jeito preocupado.

— Não acredito!

— O que foi? — digo já assustada.

— Estás uma brasa! — ele ri e volta a colocar as mãos nos bolsos.

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