ARABELA (ALGUNS ANOS ATRÁS)
Praticamente pulo o último degrau do ônibus quando ele para no ponto, apresso o passo olhando o relógio e corro o último quarteirão suspirando aliviada quando vejo a enorme árvore a vista. Diminuo os passos para que minha respiração se controle e tiro aborrecida uma mecha de cabelo que se desprendeu do meu rabo de cavalo.
Subo os dois degraus da frente e abro a porta jogando a mochila e minha bolsa do trabalho em cima da mesa. Dante me recebe com os cabelos meio despenteados e sorri, mas vejo que é um sorriso forçado
- Como foi o trabalho Belle? – ele pergunta a voz distante. Engulo um nó na minha garganta e pego o copo com água junto com a tampinha com os comprimidos
- Tudo bem – falo e o olho nos olhos prendendo a respiração – Como ela...
- Ela não passou muito bem hoje – ele responde e desvia o olhar franzindo a testa – Eu vou concertar aquele armário que você pediu, tudo bem?
- Certo, obrigada – ele assente sem de fato ouvir e sai da sala. Meus ombros se curvam para baixo e eu contenho as lágrimas pensando repetidamente "Ela vai ficar bem, ela tem que ficar bem".
Puxo uma respiração e enxugo a lágrima rebelde que escorreu pela minha bochecha. Pigarreio e começo a subir as escadas em direção ao seu quarto, bato na porta com os nós dos dedos e entro de forma silenciosa mantendo um sorriso em meu rosto.
- Oi mãe
- Oi raio de sol – sua voz soa rouca e eu tomo coragem para olha-la.
Leah Turner era uma mulher linda em sua juventude, com longos cabelos escuros contrastando com sua pele sempre da cor de bronze ela chamava atenção por onde passava. Seus olhos claros observavam tudo e todos a sua volta, e sua habilidade em resolver problemas fazia com que ela fosse uma ótima contabilista
Ela resolvia qualquer problema financeiro, organizacional, pessoal ou qualquer coisa do tipo. Mas a um ano essa habilidade não conseguiu superar o câncer e muito menos resolver ele.
Leah não era mais a mesma, seus cabelos tinham perdido a cor e degradamente eles tinham sumido. Sua pele tão rica e calorosa agora era uma pele fria e pálida. Só o que restou no fim foi sua personalidade, raivosa lutando contra um monstro invisível
Mas tinha dias, e esses eram os piores, em que Leah não lutava
Hoje era um desses dias
- Trouxe chocolate quente daquela cafeteria que a senhora gosta – anuncio e entrego o copo junto com os medicamentos, ela os pega com as mãos oscilantes e eu seguro até ter certeza de que ela está segurando
- Posso tomar mais tarde? – ela pergunta tentando um sorriso depois de tomar todos
- Claro – falo e me sento na beirada da cama – Como está se sentindo?
- Como se um caminhão tivesse me atropelado – ela fala tentando fazer graça e eu engulo em seco forçando um sorriso
- Vou fazer algo quente para que você possa tomar
- Não querida – ela diz e apoia sua mão na minha, contenho um estremecimento quando sinto sua mão gelada e olho para a janela, mas ela continua trancada – Amanhã vou estar melhor, prometo
Desvio o olhar mordendo o lábio inferior, ela sempre me diz isso, e de alguma forma suas promessas sempre eram esquecidas. Olho o ponteiro do relógio em vez de responder a essa promessa vazia
- Está na hora
- Acho que é melhor eu ficar aqui hoje – franzo a testa e começo a balançar a cabeça
- De jeito nenhum mãe, tem que sair um pouco
- Mas Belle...
- Por favor – peço com um sussurro e ela me observa cansada acenando por fim. Tiro gentilmente os lençóis e os coloco do outro lado do quarto sabendo que teria que lava-los assim como eu fazia todos os dias.
Ela se levanta meio oscilante e eu a seguro colocando seu braço em torno dos meus ombros, penso rapidamente em chamar Dante, mas desisto quando ela se recupera e puxa uma respiração fracamente.
- Pronta? – pergunto fingindo animação e ela assente. Nos movemos escada a baixo, um passo de cada vez e cinco minutos depois estamos no térreo na saída. Minha mãe inspira o ar limpo e sorri para mim parecendo mais animada, aliviada levo-a para seu lugar favorito.
Quando meus avós se apaixonaram perdidamente um pelo outro eles fugiram dos pais e vieram parar aqui em New Orleans, não tinham casa e muito menos família para recebe-los. Então debaixo de uma árvore antiga eles fizeram seus votos, com um padre que viria a ser padrinho da sua única filha e contando com somente o por do sol como convidado.
Eles construíram sua casa, que viria a ser a minha também, perto de sua árvore. Sendo assim quando minha mãe se casou com meu pai ela fez questão de frisar que morariam ali, e cuidaria dos filhos que eles viriam a ter debaixo do mesmo pé de árvore.
Uma homenagem a meus avós rebeldes e apaixonados
Então, todos os dias mamãe me trazia junto com Dante e contava milhões de histórias, lia milhares de poemas e poesias, nos abraçava quando estávamos com medo e nós sorriamos toda vez que o sol se afastava criando somente alguns reflexos, com se não quisesse ir e se apegasse ao que podia
Pôr do sol
- O que vai ser hoje? – ela pergunta quando eu a posiciono em cima da toalha e me sento ao lado dela pescando o livro versão bolso
- Killian – eu anuncio com um floreio e ela ri o som me fazendo sorrir verdadeiramente
- Se ele não fosse um senhor de meia idade eu poderia dizer que você tem uma quedinha por ele – minha mãe diz me observando e eu me sento ao seu lado levantando um ombro
- Talvez eu goste de caras mais velhos
- Ok engraçadinha, comece – ela diz e fecha os olhos encostando a cabeça no tronco. Pigarreio e abro em uma página aleatória
- "Olhe para cima, mas por favor não feche os olhos – eu começo e vejo minha mãe sorrir já sabendo a citação que eu escolhi – Abra-os bem abertamente, e então verá, não se trata somente de uma estrela, não, na verdade se trata de uma história a muito esquecida. A história conta sobre uma estrela, essa estrela conquistou o mundo, iluminou o céu e mesmo sendo tão pequena ela derrotou a escuridão com sua fé inabalável – faço uma pausa e falo com a voz triste – Reconhece ela? A sua luz e o seu calor? Não? Pois bem, então vou lhe contar um segredo. Essa estrela é você".
Ficamos em silencio e inspirando profundamente minha mãe pede com os olhos virados para cima
- Lê aquela parte querida
Eu sei que parte ela quer que eu leia, e mesmo não precisando ler por já saber de cor, eu viro as páginas até o início. Tocando com a ponta dos dedos a inscrição eu seguro a mão da minha mãe e sussurro.
"Para você, que a cada novo pôr do sol se reconstrói"
- Vou me reconstruir – minha mãe diz soando firme – Amanhã será um dia melhor
Aceno sorrindo, mas viro para que ela não veja as lágrimas contidas. Porque nós duas sabíamos que isso não era verdade e até Dante do outro lado observando a nos duas da janela me observa com um sorriso e logo desvia o olhar para que eu não veja.
A verdade estava bem ali na nossa frente, só não queríamos ver
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Cores da Tentação
RomanceBryan Seymour tem um segredo Ele os esconde a sete chaves, talvez por medo, talvez por receio, mas a verdade é um pouco mais simples.... Ele gosta de saber que tem algo somente dele que ninguém mais sabe. Mas isso pode se tornar algo muito maior se...