12 - As Idas e a Flor

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Na nona hora, Tenochtitlán estava em peso estava na praça do templo, aguardando a sentença e a execução; era um tempo sem inocentes. Todos os acusados já estavam nas jaulas, as pedras sacrificiais estavam montadas e tudo parecia pronto. Aurora fora colocada do lado oposto ao dos que estavam sendo julgados e estava quieta. Quando a soberana chegou, fez-se silêncio na multidão.
_ Filhas e filhos, irmãs e irmãos. Reuni-me com conselho das sábias e sacerdotisas também consultei os sonhos, e esta é a minha decisão, para que se cumpra:
_ Coaxoch, seu pai, enquanto vivo, lutou pela nossa gente e nossos valores. Você deveria ter aprendido pelo exemplo e teve a oportunidade para isso . Como a desperdiçou e jogou no lixo o nome do seu clã, eu te condeno a morte por apedrejamento.  Seus familiares serão advertidos até o quarto grau e nada poderá levar seu nome, pelo tempo dos tempos. Os familiares de todos os que morreram, convido-os a executar a sentença. Dito isso, ela foi levada para os pés do tempo e seus pés amarrados em uma argola presa ao chão. Pedras de meio quilo foram utilizadas, e a morte veio rápida.
_ José Cualli, seu mercador egoísta e imundo. Sua preocupação parece ter sido sempre os seus próprios negócios e suas palavras foram hipócritas. Como castigo você será amarrado na pedra e ouro fundido, líquido, será jogado por sua garganta até que você morra. Depois seu corpo será incinerado para que o ouro seja recuperado e as suas cinzas serão jogadas no esgoto. Uma enorme pira foi acesa e o mercador foi levado até a pedra sacrificial, onde a sentença foi executada.
_ Cipactl, você foi um guerreiro valoroso, mas desonrou o povo a quem você serviu e os sacerdotes que buscaram os espíritos para que você fosse sempre protegido nas suas batalhas. Sendo assim, você desonrou dois mundos. Que o seu corpo, portanto seja partido ao meio, e cada pedaço queimado em uma pira diferente, para que suas cinzas sejam lançadas no esgoto.
Utilizando um serrote de bambu, desde a parte entre as pernas, Cipactl foi partido ao meio, até a caixa torácica. Depois o serrote de metal foi utilizado para terminar de repartir seu corpo, pelo que outras duas piras foram acesas e ambas as partes, incineradas.
_Chicahua Achcauhtli, de todos você tinha a maior posição, então o seu castigo deve servir de exemplo. Condeno que te arranquem os olhos, as orelhas, a língua, o nariz e a pele do corpo, nessa ordem. Vivo ou morto, depois disso seu corpo será jogado uma caixa de madeira coberto com sal, para em seguida ser incendiado. A cinzas serão misturada com água dos esgotos e jogadas em uma caixa de chumbo, a qual por sua vez será jogada no poço profundo que existe na costa dos Estados Maias, para que sua alma não tenha descanso nem consiga encontrar a luz. Todos os seus parentes até o quarto grau serão advertidos e desonrados publicamente. A sua sentença será executada amanhã, diante de todos.
_ Yolotli, sua camponesa estúpida. Vamos começar pela sua história. Seus pais são gente simples e trabalhadora de Xochimilco e, talvez por necessitar dos seus braços e dos seus cinco irmãos, não puderam te instruir. Você colaborou com algo abominável e para que reflita sobre isso, eu te condeno a servir no Templo dos Enfermos, do qual nunca mais poderá sair. Que te ensinem a cuidar dos queimados e dos feridos. Aos seus pais será dado mais terra e mais instrução, mas eles também serão advertidos. Seus irmãos, todos mais jovens que você, estudarão por conta do Estado, até que se formem. De agora até os 21 anos, qualquer um deles ou delas que for pego bebendo, será condenado à morte, mas se forem pessoas honradas, poderão exercer cargos públicos e mudar de casta. Que assim, seja!
A multidão demorou a compreender a última sentença, e diferente dos urros que se ouviram após as condenações anteriores, nesse caso fez-se um burburinho, que só cessou quando a governanta foi falar.
_ Aurora Flemings, estrangeira da Inglaterra. Você honrou nossa terra e as nossas leis, e os deuses parecem falar por você. Em nome do povo mexica e de todas as pessoas, seres, espíritos e deuses do Mēhxico, que eu fui escolhida para representar, te oferto 1000 kg de prata, o equivalente ao peso de 600 peças de jade, 10 kg de ouro maciço e 3000 kg de sementes de cacau, a serem entregues quando você achar oportuno. Como me responde?
Aurora não esperava por aquilo. Refletiu por alguns instantes se curvou primeiro para o povo que estava diante do templo e e seguida para a governanta e disse em nahuatl:
_ Meus irmãos e irmãs, meus pais e mães, minha soberana, meu imperador. Eu não tenho como agradecer tanta generosidade, mas eu quero muito tentar. A prata, que seja dividida igualmente entre as famílias dos que perderam seus entes queridos. O ouro e o jade, eu oferto para ajudar na construção de um novo templo. O cacau, se isso não desagradar a soberana, eu gostaria de trocar pelo direito de fazer as chocolates que eu aprendi a fazer e que me foi ensinado pelo povo que mora próximo à Belém do Pará, na Amazônia. E curvou-se novamente.
Surpreendida, a soberana se ergueu e disse:
_ Aurora você é uma mulher honrada e seu pedido também nos honra. O que desejaserá aceito e você poderá produzir seus chocolates, mas apenas você e mais ninguém nesse país. Quando acontecer de você viajar ou se retirar do Mēhxico, a sua tenda será administrada pelo Estado, e os seus doces serão produzidos em sua homenagem, para que todos se lembrem. Eu também te ofereço a cidadania, na classe das pessoas nobres. Teu nome foram seus pais que te deram e como eles não vivem mais, não posso trocá-lo, mas daqui por diante seu sobrenome será Yaretzi.

Quando terminou o julgamento, Aurora foi para casa, doravante, vazia. Sem mais Dario e palavrões respeitosos ditos em persa, só um tipo lancinante de silêncio. Thar, o gatinho vegetariano que ela ganhou dele assim que haviam se mudado, também estava quieto, mesmo mesmo diante da tigela vazia. O coração batia de um jeito estranho, como se soluçasse. A casa toda era um pranto mudo e convulsivo. Podiam argumentar o que quisessem, que não era para ser ou que deveria ter sido, que Deus quis que fosse daquele jeito que o destino agia estranho, mas agora eram apenas ela, o gato e a dicção ruim, os gestos sem hora, um estranhamento diante da normalidade. Nunca mais ouvir as palavras, sentir nem beijo nem cheiro, perfume que era. Houve outras pessoas, haveria outras pessoas, talvez. Que diferença isso fazia, na escuridão mesma daquele instante? Um livro de culinária francesa, um pilãozinho de pedra, e aquelas coisas tantas que lembravam ele; todas lá, junto com uma certa tristeza que só aparece antes de crepúsculos muito especiais. Ela ainda tinha os docinhos que nunca poderia poderia dar para ele, que ela mesma fizera: coco, açúcar, leite, mel, baunilha verdadeira e café. Tanta coisa para ser ouvida e silenciada daquele jeito. Era importante ter fé; ela perdera. Era importante ter esperança; ela não tinha mais nenhuma. Era importante ter amor. Mas de que valia o paraíso que ela herdara?

Todavia ela era mulher, então se acostumara ou fora acostumada, desde cedo, a calar os próprios soluços, a ser a única ouvinte e eventualmente também a única parceira de dança de si mesma. O problema, doravante, seria a música. Ela, como o miado de Thar, havia se calado.  

Ainda na Europa Dario havia lhe dado umas sementes e a fizera jurar que, caso Allah o levasse, por qualquer coisa que fosse e ela ainda o amasse, plantaria as sementes e, assim que florissem, ela deveria voltar a sorrir. Obedeceu. Doze semanas depois, a primeira flor de violeta surgiu. Era o cheiro dele, e Thar finalmente miou.

Tenochtitlán: os começosOnde histórias criam vida. Descubra agora