36. Minha mulher

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Jordana não acordou mais naquele dia. Fiquei muito preocupado, mas lembrei que tinha visto na internet que pessoas com esse tipo de anemia ficavam muito cansadas, e o dia não tinha sido fácil pra ela. Pedro foi dar um beijo nela, e ficou feliz dela estar em casa. Peguei sua bolsa, fui até o hotel. Vi algumas roupas e levei pra ela, como objetos que sei que ela precisaria. Quando cheguei, tomei banho e dormi ao seu lado no meu quarto. Estava cansado, precisava colocar a cabeça no lugar. O despertador tocou cedo, levantei e acordei ela com dificuldade. Ela se assustou por dormir tanto tempo. Nos arrumamos e saímos em direção ao seu médico. Esperamos um tempo até sermos chamados, mas isso logo aconteceu.

- Bom dia, Jordana. - Ele cumprimentou ela sorrindo.

Devia ter uns 38 anos. Era alto, moreno, parecia médico de filme. 

- Bom dia, doutor. Esse é o meu marido, que o senhor já conhece. - Ela riu. 

Era a primeira vez que ia com ela, mas ela devia falar de mim pra ele. 

- Claro. - Ele me deu a mão sorrindo e eu cumprimentei da mesma forma. - É um prazer conhecê-lo. 

Ele nos convidou pra entrar e sentarmos. Primeiro começou perguntando como ela estava. Não demostrou surpresa por Jordana ter dormido muito tempo, e ainda completou dizendo ser perfeitamente normal. Deu recomendações de como levar a vida agora. Ela não podia frequentar multidões e locais com pessoas doentes. Tinha que mudar a alimentação e não fazer nada que lhe tirasse muita energia. E então ele começou a dizer coisas e mais coisas que ela devia ou não fazer, desde transfusões de sangue até trocar sua escova de dentes por uma com cerdas mais macias. Seu corpo todo ficaria mais sensível, e ela podia se machucar com facilidade. Cortes? Nem pensar. Nem gripes e outras infecções. Poderiam ser fatais. Naquele momento, eu tive certeza que seria muito mais difícil do que eu imaginava, e eu não tinha um pingo de noção de como segurar essa barra "sozinho". 

- É importante que você não fique sozinha em casa por longos períodos.

Bom, isso eu sabia. Teria que levar ela pra casa dos meus pais. Eu não deixaria ela sozinha. E então ele começou a falar sobre o tratamento. Eram medicamentos que supririam as coisas que faltavam em seu sangue, na medida do possível. Mas, eles não trariam cura. A cura só viria com o transplante, que ela teria muito mais chances se fosse feito logo. O problema era o doador. O hospital dali não fazia, então fiquei de ir pra São Paulo com ela e ver isso. Expliquei ao médico o que faria quanto a isso. Ele alertou, dizendo que não devíamos desistir, mas era algo longo e complicado. Eu faria o teste, tentaria doar. E se não pudesse, acharia alguém que pudesse. E então, foi aí que veio o baque pra ela. Não era como se isso fosse o pior, mas sim o choque de realidade. Era como se isso fosse uma prova física e visível do nosso pesadelo. O médico afirmou que em alguns pacientes, os remédios causavam quedas de cabelo. 

Jordana fez transfusão de sangue e saiu dizendo que já se sentia melhor, mais forte. Enquanto ela estava dentro da sala, conversei com o médico. Ele me disse que ela tinha grandes chances de cura caso conseguisse o transplante. Ela tinha descoberto no começo, as coisas seriam mais fáceis. Tirei ela dali logo e voltamos pra casa. Tomamos café com o Pedro e depois assistimos TV. Depois do almoço eu tinha que ir no escritório, chamei ela pra vir comigo.

- Jor? - Entrei no quarto do Pedro. Eles estavam conversando.

- Oi, Luan. - Ela largou um brinquedo.

- Tô indo no escritório resolver umas coisas, quer vir comigo? 

- Não quero atrapalhar.

- Vem logo, vai. - Ri pra ela. - Tchau, filhão.

Saí e desci. 

- Vai sair? - Minha mãe perguntou. 

- Vou. A Jordana vai comigo.

As lembranças vão na mala (Luan Santana)Onde histórias criam vida. Descubra agora