Refúgio

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Oito estava acompanhada de Sete. Os dois tinham que passar pela inspeção dos Azuis locais. Ela não soltava seu amigo, e olhava para todos naquele lugar como se fossem capturá-la e torturá-la. Definitivamente aquela base não era a sua casa, e pior de tudo, era ter deixado o corpo de Zero onde ela se sentia mais segura. Ela já havia se sentido assim em vários lugares, mas aquela base parecia ser até de outra organização.

Sete não reparou em como as pessoas os observavam. O medo dele era de que Oito furtasse outra pistola e acabasse com sua vida antes que ele pudesse fazer qualquer coisa para impedir, e essa era uma das razões dele estar acompanhando-a – a não ser, é claro, pelo fato de que ela depositara toda a sua confiança nele, e não o soltava de jeito nenhum.

Cinco e Um também estavam juntos, entristecidos por perderem Zero, e também por não saberem o que fazer em relação à Oito, que parecia um animal arisco. O que mais parecia indiferente com a situação era Três, mas só parecia. Ele podia não ser tão próximo de Zero quanto Um, Cinco e Sete, e nem nutrir tantos sentimentos quanto Oito, mas considerava-o um excelente amigo e um incrível parceiro de equipe. Para ele, mesmo que colocassem duzentos agentes novos, a Beta Vermelha seguiria trabalhando incompleta.

Nove também estava em um choque emocional. Pela primeira vez tivera uma baixa em sua equipe. De todos que entraram e saíram da Beta Vermelha, o único que havia entregue sua vida era Zero. Nove precisava colocar sua cabeça no lugar, e entender que agora era o momento crucial para que ele atuasse como líder; afinal de contas, era seu dever para com seus parceiros dar-lhes apoio neste momento difícil – assim como receber apoio deles – e também lembrar-lhes que ainda havia uma guerra contra aqueles monstros, e precisavam provar que a morte de Zero não foi em vão.

Dois era um grande apoio nesse momento. O colega de quarto de Nove era quem mais escutava os assuntos da S.J.Y, as inseguranças dele como líder, seus medos, e entre muitas outras coisas. Por esta razão, Dois demonstrava tanta preocupação com o líder quando estavam em uma missão. Sua função era dentro da nave e raramente ele teria permissão de deixar aquele lugar, Nove estava sozinho no campo de batalha. Tudo o que Dois podia fazer por ele se restringia ao uso do comunicador.

Quatro estava com seus sentimentos bagunçados também. Ele sentia-se triste por nunca mais poder ver Zero, mas não se sentia no direito de ficar abatido. Ele defendeu a S.J.Y e entrou numa missão suicida para que fugissem o máximo possível de agentes da S.J.Y – incluindo Oito. Quatro acreditava que aquela cena era um insulto a memória de seu amigo.

- A esperança pode até ser a última a morrer, mas pelo visto o amor não é – disse um agente vermelho que vinha da antiga central também, para Oito.

Oito instintivamente avançou na direção do homem, mas foi parada por Sete. O agente ainda continuou zombando de Oito, gargalhando. Dois o reconhecera imediatamente, pois ele já tivera discutido no refeitório da antiga base, e já havia apanhado de Oito. Enquanto Dois contava a Quatro de onde se lembrava daquele homem, Três – que também havia reconhecido aquela praga em corpo humano – se aproximou sorrateiramente por trás dele, colocando um instrumento pontiagudo, parecido com uma lâmina de entalhar madeira, no pescoço do agente.

- Deve realmente ser muito engraçado rir e zombar de alguém que está com os sentimentos feridos. Inclusive acredito que seja impossível que você compreenda o que Oito está passando no momento, já que você é retardado o suficiente para não conseguir pegar nem mesmo uma bactéria no corpo. Eu não posso te machucar emocionalmente, mas posso garantir para você uma passagem só de ida para a base de testes dos Azuis, onde eles vão lentamente te torturar, colher amostras de cada epitélio que você possui, lentamente te expor à mutação dos Mantus, repetir a coleta de amostras de horas em horas, te expor a calor e frio intensos na intenção de descobrir se a temperatura lhe faz alguma diferença ou acelera a mutação, até que, quando você não suportar mais, e estiver quase implorando para que lhe tirem a vida, eu seja a pessoa a te executar. E pode ter certeza de que não vou ser piedoso, tampouco rápido. Vou ter o prazer de te lembrar, que quando você mexe com um membro da Beta Vermelha, você mexe com todos nós, e nós não toleramos palhaços de circo barato que espirra água na própria cara.

A Beta Vermelha inteira olhava para o agente com ódio nos olhos. Sete mantinha Oito em seus braços, ela estava tremendo de tanto nervosismo. Os outros agentes olhavam assustados, muito mais pela descrição que Três dera do que iria fazer do que realmente de espanto pela insensibilidade daquele agente mesquinho.

Três soltou o homem, que tratou de se afastar o mais rápido possível da Beta Vermelha, reunindo o pouco de orgulho e dignidade que lhe restava.

- Você está bem, Oito?

- Eu acho que sim, obrigada Três.

Três sorriu para ela, e seguiu em silêncio para dentro do Hangar. Os outros agentes fizeram o mesmo. Oito e Sete foram diretamente para a inspeção de emergência, enquanto os outros passavam por uma vistoria no corredor seguinte ao hangar.

No centro de inspeção da Divisão Azul da nova central, Sete e Oito aguardavam para que os agentes começassem a fazer os primeiros exames. Sete a observava, ela aparentava estar desconexa daquele universo. Oito apenas respondia aos comandos do agente, não olhava para nada ao seu redor, como geralmente faria para passar o tempo, ou até mesmo para certificar-se de que ninguém iria abusar da inspeção. Sete estava preocupado, acreditava que a sua amada jamais se recuperaria do choque de enfrentar os Mantus daquela forma.

Na vez de Sete, Oito levantou os olhos, analisando o agente que o inspencionava. Ainda parecia desconexa do universo, mas algo lhe chamava a atenção naquele homem, que ela não havia percebido antes. Aquele agente possuía a numeração 80 no seu bracelete.

Assim que o agente saiu para aprontar os resultados, Sete foi até Oito, entregando-lhe a camiseta e o casaco que a pertenciam. Em seguida, vestiu-se também.

- Você está bem?

Oito ergueu a cabeça para cima, olhando para Sete. Ele devolvia o olhar, um pouco nervoso com a situação.

- Estou bem na medida do possível, como você está?

- Eu não sei...

Oito segurou a mão de Sete, apertando-a com a pouca força que lhe restava. Sete podia sentir, ela estava encarando a situação igual ele encarava o relacionamento entre ela e Zero um tempo atrás. Aquele corpo humano que atendia por Número Oito estava impossibilitado de se preocupar consigo mesmo, então tudo o que fazia dali para frente era para que outras pessoas não percebessem o quão ferido aquele ser estava, e para que ninguém se machucasse igualmente.

- Eu sei que você vai ficar bem, Sete.

- Eu quero que você fique bem também.

O agente 80 retorna a sala de inspeção com empolgação.

- Ótimas noticias! Apesar dos arranhões que precisam de pequenos cuidados, nenhuma mordida de Mantus. Felimente vocês dois estão livres de mutação, e aparentemente todos da antiga base que chegaram aqui também estão livres de mutação.

- Felizmente...

- Oito, você ainda queria ter sido mutada?

- Sim... – respondia ela chorando e abraçando Sete logo em seguida.

O agente 80 olhava aquela situação sem entender. Era para ser maravilhosa a notícia de que ninguém estava mutado.

- Desculpe, vermelhos... caso eu tenha dito algo que não deveria...

- Você não disse nada errado, moço. A número Oito e eu fomos os últimos a saírem da antiga central, ela estava para morrer junto do seu namorado. Ele se sacrificou para que ela estivesse aqui, e ela desde então acredita que deveria estar morta dentro da base também.

- Quando eu vim para a S.J.Y eu também perdi o meu namorado. E meu irmão está na lista de baixas da invasão na antiga central. Eu também me culpo por estar aqui, e penso que talvez eu pudesse ter feito algo para salvar essas pessoas que eu amo tanto.

Oito olhou para o agente.

- De alguma forma nossa vida era algo muito importante para as pessoas que se sacrificaram por nós. Se ele te queria viva, é porque você precisa permanecer viva.

- Obrigada, agente 80.

- Mesmo que eu não te conheça direito, você tem um amigo aqui.

- Vamos, Oito, precisamos encontrar a equipe – interrompia Sete.

Oito agradeceu novamente ao agente 80, e deixou a Divisão Azul acompanhada de Sete. Parecia um pouco melhor depois do que aquele agente azul havia dito, parecia estar novamente conectada à realidade em que vivia. Porém, ainda estava machucada.

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